Pioneirismo e Sustentabilidade na Amazônia

Os textos desta coletânea documentam aspectos do processo de formação em administração de empresas numa grande universidade brasileira. Alunos desta área, matriculados na pós-graduação da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, elaboraram os trabalhos aqui reunidos, após leitura de bibliografia pertinente e aplicação de questionário exaustivamente pré-discutido até sua plena assimilação. O tema escolhido foi o engajamento de empresas da região amazônica em propostas de sustentabilidade ambiental, com ênfase na mitigação de gases de efeito estufa. Procedeu-se, antes da escolha das empresas e consequente levantamento de dados, amplo debate em classe da questão a ser investigada.

Encontram-se, no resultado obtido, um volume de informações e acurados juízos em torno da matéria. Como é frequente em textos coletivos, alguns conteúdos apresentam maior densidade que outros. Cabe ao leitor identificá-los, uma vez que todos, indistintamente alcançaram o patamar requerido para aceitação acadêmica. São escritos que trarão aos visitantes deste espaço digital um quadro fiel e objetivo das ações empresariais de sustentabilidade na mais complexa região do País.

Grandes corporações brasileiras estão demonstrando que a prática sustentável, além de legítima, é uma boa opção estratégica. A Companhia Vale do Rio Doce, segunda maior mineradora do mundo, aplica uma engenharia de exploração menos danosa ao ambiente. Respeitáveis organizações não governamentais, como a Amigos da Terra, reconhecem publicamente que a Vale costuma ter um cuidado maior no modo como explora minério, se comparada a outras empresas do setor.

Mesmo assim, desenvolvendo uma atividade notoriamente causadora de impactos ambientais e sociais, a empresa em análise tem enfrentado veementes censuras, originárias de grupos religiosos e políticos. O trabalho aqui apresentado pelos alunos Luis Felipe Bismarchi e Marina Carrilho Soares registra manifestações contra supostos descumprimentos da legislação trabalhista e contaminação da água, poluição do ar ou subsidência do terreno. Outros impactos negativos da mineração, igualmente apontados por seus críticos (especificamente no caso da Vale) vinculam-se ao surgimento de siderúrgicas no entorno das explorações. Tais indústrias usariam carvão vegetal para a produção de ferro gusa – o que ocasionaria, anualmente, um desmate de 300 mil hectares de floresta primária.

Comentam os alunos que a empresa reage a essas acusações com iniciativas sustentáveis, a seguir mencionadas, que foram extraídas de informações bem documentadas e disponíveis na web. Os autores do estudo não tiveram um diálogo maior com a direção corporativa, em função de sua política de confidencialidade excessivamente rígida. Valeram-se por isso, talvez em demasia, de informações já divulgadas na mídia ou no site da companhia, além de entrevista de um funcionário que, mesmo depondo a favor da empresa, exigiu anonimato. Agiria bem a Vale se flexibilizasse esta política de informações, facilitando o trabalho de jovens pesquisadores em fase de formação acadêmica.

A Companhia Vale do Rio Doce, desde 2005, empenha-se na identificação de oportunidades para mitigação de gases de efeito estufa. Foi implementado, por exemplo, no estado do Pará, o projeto de redução de PFC (perfluorcarbono) na Albras, sua empresa produtora de alumínio, ali sediada; algumas de suas usinas de pelotização de minério de ferro já substituem óleo combustível por gás natural; parte de suas locomotivas, em diversas ferrovias, trocaram o diesel pelo biodiesel; e a empresa tem participado das últimas edições do Carbon Disclosure Project (CDP).

Encontraremos no estudo aqui referido uma descrição de ações sustentáveis em 15 empreendimentos da Vale. Entre outros, a edição de um Guia para fechamento sustentável das minas abertas; o reaproveitamento da água e gestão hídrica; e o programa Vale Florestar, iniciado em 2007, para recuperação das matas nativas e plantio de florestas industriais. Ambos os programas abrangem cerca de 3 mil quilômetros de áreas florestais. Prevê-se, um investimento de US$ 300 milhões até 2015.

Outra corporação de grande porte no setor de mineração, a Alcoa, anunciou recentemente a sua estratégia para a exploração da mina Juruti, no estado do Pará. Tal estratégia fixou-se desde o começo em bases sustentáveis e fortes vínculos com a comunidade local. O projeto foi analisado pelo pós-graduando Nelson Poli Teixeira Filho, que contextualizou as ações ecoeficientes e entrevistou, para descrição específica, um executivo da área ambiental da Alcoa.

O projeto Juruti produzirá 6 milhões de toneladas de bauxita por ano em sua primeira fase, podendo alcançar o montante de 10 milhões. Cerca de 1.500 empregos diretos serão gerados na fase de operação e espera-se um contingente de 4.300, entre diretos e indiretos, na etapa de instalação. Nos três primeiros anos absorverá um investimento calculado em R$ 1 bilhão.

Consciente dos impactos socioambientais que uma iniciativa deste porte causará, a Alcoa tornou-se parceira da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e do FUNBIO (Fundo Brasileiro para Biodiversidade), a fim de identificar anseios comunitários e obter uma “licença social” em suas operações. O estudo identifica no empreendimento o avesso do padrão “boom-colapso”, tão frequente na exploração madeireira, que consiste em crescimento econômico da área da etapa de exploração e, cessada esta, enorme declínio da circulação de capital na comunidade.

Ergueu-se nas proximidades da mina um espaço de convivência para discussão das atividades locais da empresa e seu embasamento sustentável. Paralelamente a estes debates, passou-se à elaboração, também participativa, de um painel de indicadores, visando o monitoramento de todos os impactos, criação de um fundo para captação de recursos destinados às ações recomendadas por um Conselho plural e desenvolvimento da agenda de desenvolvimento local para o futuro.

Vê-se, portanto, que o projeto Juruti seguirá no contrafluxo do mecanicismo empresarial que privilegia os planos de negócios e lucros dos acionistas, ignorando as demandas sociais no entorno das atividades produtivas. Estas demandas, como se sabe, são em geral remetidas ao encargo exclusivo do poder público. Desprezou-se, também, na conceituação do plano o caráter assistencialista. A comunidade foi percebida como “sujeito de direito, com capacidade de trabalho e fortalecimento”.

O estudo reproduz e qualifica cinco diretrizes da política ambiental da Alcoa na região: conservação do solo e da biodiversidade; geração de empregos decentes e capacitação da mão de obra; energias renováveis inseridas na matriz energética; competitividade dos produtos pela via da inovação e da eficiência; e consolidação de uma cultura de gestão, mediante um trabalho interno de divulgação do projeto. Prevalecem na área de sustentabilidade da empresa engenheiros ambientais com especialização em Qualidade, Segurança e Saúde.

Além da parceria com a FGV e o FUNBIO, a Alcoa mantém convênios com a Universidade Federal do Pará, Centro Universitário do Pará e Universidade Aberta do Brasil, além de frequente interação com o Museu Emílio Goeldi e com o Instituto Evandro Chagas.

O estudo sobre a Agropalma, desenvolvido por Annelise Vendramini da Silva Caridade e Fernando Mori de Castro, merece atenção especial como atividade acadêmica. Descritivo e analítico em proporções equivalentes, adota uma linguagem que pode ser compreendida por leitores de todas as formações.

Os autores elegeram como premissa metodológica a identificação da convergência dos procedimentos ambientais da empresa com as recomendações da literatura técnica examinada, concluindo pela rigorosa sintonia, no caso, entre a práxis e os referenciais teóricos. A experiência da Agropalma distingue-se por seu nítido viés estratégico. Antecipou-se, em pelo menos quinze anos, às preocupações com a sustentabilidade, hoje dominantes no meio corporativo.

O grupo Agropalma, totalmente nacional, dispõe do mais extenso e moderno complexo industrial voltado para o processamento do óleo de palma. Está presente em todo o ciclo produtivo, desde o cultivo até o refino do óleo, gordura vegetal e margarina. Possui 4.500 funcionários e registra um faturamento anual de aproximadamente R$ 650 milhões. Numa área de 107 mi hectares, usa 39 mil para cultivo e extração, destinando cerca de 64 mil a reservas florestais monitoradas. Já investiu na Amazônia, desde sua fundação US$ 250 milhões.

A partir de 1994, apostando na agricultura orgânica e deixando de utilizar insumos químicos, a Agropalma deu uma guinada em sua cultura de gestão e passou a investir em processos inovadores, reforçando a competitividade e conquistando, além de resultados comerciais, vários certificados de desempenho sustentável. Registre-se que a tonelada de óleo certificado supera de 35 a 40% o preço do óleo comum.

A Agropalma é a empresa mais certificada do setor e entre os fatores para sua performance inclui-se a existência de um corpo gerencial inovador, com idade entre 29 e 42 anos. Outro diferencial positivo é que o seu plantio é feito em área já degradada pelo desmatamento, queimadas e pastagens. Mais outro, ainda, é que a energia consumida em suas atividades vem do reaproveitamento das próprias fibras vegetais.

O estudo lista 15 ações de gestão ambiental mantidas pela empresa. Entre estas, o monitoramento periódico e tratamento de efluentes líquidos gerados em todas as atividades das indústrias de extração de óleo bruto e da refinaria; monitoramento periódico da quantidade e qualidade das águas superficiais (rios e igarapés) e subterrâneas (poços de água para consumo humano, industrial e lençóis freáticos) de abrangência do Grupo Agropalma; construção de aterro controlado para resíduos não perigosos e domiciliares do Grupo Agropalma e das vilas de entorno; reciclagem de mais de 60% dos resíduos sólidos gerados em todas as atividades; reaproveitamento de fibras vegetais e cascas de nozes na geração de energia, contribuindo na redução de consumo de combustível fóssil; reflorestamento de mais de 12,5 mil hectares de áreas degradadas; preservação de todas as matas ciliares que protegem os cursos d’água; e planos de emergências ambientais estendidos a todas as áreas, incluindo treinamentos e simulados periódicos.

Operando no âmbito do chamado Arco do Desmatamento, a nordeste do Pará, próximo do Maranhão (onde somente 23% da floresta estão preservados), a empresa faz um contraponto à cultura predatória ali dominante. De fato, o inventário de suas iniciativas sinaliza uma contribuição relevante à redução de gases de efeito estufa, embora a empresa não tenha adotado o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), em face da instabilidade nas regras e incertezas quanto ao futuro deste mercado.

Veremos no trabalho apresentado por Anita M. de Moura, Eva Daviaud e Maria Augusta Miglino um estudo de caso sobre o Grupo Orsa. Alertando o leitor para o fato de que não houve levantamento in loco dos procedimentos daquele importante conglomerado e usando informações quantificadas e fornecidas por seus executivos entrevistados, as jovens pesquisadoras emitem um juízo positivo quanto às políticas ambientais referidas. As empresas Orsa, conclui o trabalho, incorporam as regras da sustentabilidade ao seu modelo produtivo na Amazônia.

Paralelamente às informações colhidas, as autoras do texto abordam a questão ambiental em seus fundamentos conceituais. Agregam ao princípio do triple bottom line, enunciado por John Elkington, as dimensões por ele mesmo definidas para harmonizar prosperidade econômica, qualidade do ambiente e justiça social: mercado, valores, transparência, ciclo de vida tecnológico, parcerias, perspectivas e tempo de governança corporativa. Justificando o método de estudo de caso, recuperam com grande pertinência observações de Franz Bruseke sobre eventuais contrastes entre teoria e empiria, que expressam “o movimento de procura de explicação que as teorias não nos fornecem”. Sublinham que, sobretudo no caso de empresas que lidam com recursos naturais (situação do Grupo Orsa), é fundamental a incorporação do princípio da sustentabilidade às suas estratégias e cultura de gestão.

O Grupo Orsa é mais uma organização atuante na Amazônia com capital inteiramente brasileiro. Congrega três empresas e uma Fundação. Os seus produtos são os únicos no mundo que têm 100% de certificação pelo FSC, um selo que garante o rastreamento de toda a cadeia produtiva da madeira extraída. Em 2007 apresentou resultado bruto de R$ 1.245 bilhões. Adquiriu o antigo projeto Jari, hoje totalmente reformulado e desenvolvendo, como importante atividade, o Manejo Florestal Sustentável Certificado. O Jari da Orsa é uma localidade com passivo ambiental zero.

O Grupo voltou-se, na empresa Ouro Verde, para o trabalho com produtos florestais não madeireiros. Prevê-se inicialmente o processamento de derivados de castanha. Poderá, em 2010, atuar nas cadeias produtivas do açaí e do cacau, o que resultará no aumento de renda para as comunidades que vivem na floresta e proximidades. É um caso em que prevalece a gestão ambiental sobre a lógica de mercado, pois é sabido que produtos florestais, dependentes de sazonalidade, têm um retorno comercial limitado.

Os diretores entrevistados para este estudo de caso reiteraram as críticas ao Estado brasileiro que vêm marcando, na mídia, alguns pronunciamentos da empresa. Acentuaram que a iniciativa privada na Amazônia supre a ausência de políticas públicas no que concerne à educação e à saúde. Destaque-se, também, a afirmação de que o mercado interno de móveis não recompensa o esforço de empresas que buscam a certificação: “Na maior parte das vezes o consumidor escolhe madeira barata. Principalmente em tempos de crise como este. Quem vai realmente preferir pagar mais caro por madeira certificada?”

Por último, ficamos a par das ações da empresa Beraca, em trabalho realizado pelas alunas pós-graduandas Juliana Aziz Miriani Russar e Maiana Brito de Matos. Elas apresentam inicialmente um panorama geral dos fatores que situam o Brasil como um dos maiores emissores mundiais de GEE e, conforme o próprio inventário oficial, tendo as queimadas e desmatamentos como responsáveis por 75% dos lançamentos na atmosfera, enquanto apenas 25% cabem à indústria e aos transportes. Em seguida, com base no material recolhido em publicações diversas e entrevista da direção da Beraca, estuda-se a política ambiental da empresa, como empreendimento associado ao Programa de Incubação Tecnológica da Universidade Federal do Pará.

A Beraca, empresa familiar com 53 anos de história, produz ingredientes naturais extraídos da floresta e destinados ao mercado de cosméticos, medicamentos e fragrâncias. Opera de acordo com os padrões internacionais de certificação e seus fornecedores são comunidades extrativistas locais. Exporta seus produtos para mais de 40 países e tem unidades instaladas em Ananindeua (PA), São Paulo (SP), Santa Bárbara do Oeste (SP), Anápolis (GO) e Itapessuma (PE).

Em 2001, a companhia estudada implantou nova proposta de gestão sustentável e modelos produtivos ditados pelo princípio da inovação. Foi naquele ano que comprou parte da Brasmazon, empresa ligada à incubadora da UFPA, e deixou de ser apenas fornecedora de outras indústrias. Passou a desenvolver sua própria linha de ingredientes. Adquirindo matéria-prima colhida por cerca de duas mil famílias, beneficia derivados de açaí, andiroba, urucum, castanha do Pará, buriti, copaíba, cupuaçu e outros que são usados em perfumaria e cosméticos.

A Beraca é, certamente, a maior experiência de aproveitamento industrial da biodiversidade amazônica, em bases comprovadamente sustentáveis. Contribui para a sensibilização ambiental das populações locais de baixa renda, que são mobilizadas para a colheita não madeireira, com remuneração melhor do que a obtida no corte ilegal de árvores.

Na entrevista por escrito concedida pela empresa às jovens pesquisadoras da FEA/USP é contado que, em 1998, o presidente da corporação visitou a região amazônica em busca de parcerias para implementação de seu projeto sustentável. A oportunidade surgiu com a desvalorização do real para o dólar e uma consequente chance de exportar produtos da Amazônia para o mercado externo de cosméticos. Isso demonstra como empresas competitivas, adotando tecnologias inovadoras, podem aproveitar as mudanças cíclicas da economia e obter lucros. É declarado, ainda, com um pleno conhecimento de causa, que o mercado de produtos naturais e orgânicos “é o que mais cresce no mundo”. Endossa-se, desta forma, constatações publicadas por vários estudiosos da economia amazônica.

A relação do sistema produtivo brasileiro com o meio ambiente é muito peculiar e extremamente diversa da que se constata em países desenvolvidos. O primeiro traço distintivo é que, em nosso país, os transportes e economia lícita respondem, juntos, por apenas um quarto das emissões de GEE, enquanto as queimadas e os desmatamentos, principalmente na Amazônia, lançam três quartos na atmosfera. Tal não se dá porque a nossa produção tenha um comportamento ambiental exemplar, mas pelo fato de possuirmos florestas cuja magnitude, paradoxalmente, estimula maior intensidade nas ações ilegais e predatórias. Feita esta ressalva, pode-se afirmar que no Brasil ocorrem avanços tecnológicos e de procedimentos que colocam grande parte do setor empresarial em sintonia com as melhores práticas de sustentabilidade.

Os cases aqui expostos e outros já apurados ou em andamento na linha de pesquisa Para Mudar o Futuro, praticada no âmbito da USP, evidenciam que, nesta primeira década do século XXI, as empresas atuantes no Brasil deram passos de grande alcance na direção de modelos cada vez mais limpos de produção. Outros exemplos, no plano corporativo, demonstram procedimentos novos e promissores. Podemos lembrar alguns pactos já celebrados, que seriam impensáveis no século passado, quando ambientalistas e empresários defrontavam-se em conflitos perigosos e politicamente insanáveis.

Introdução

Baixar texto integral Certificação e Sustentabilidade Ambiental [PDF] 

Certificação e sustentabilidade ambiental

As políticas ambientais ainda são apresentadas com um viés predominantemente qualitativo, omitindo indicadores que quantifiquem a realidade a ser transformada e metas para alcançar objetivos. Vem se tornando quase uma conduta padrão nas declarações das Conferências das Partes o recurso às subjetividades do fraseado, em prejuízo de compromissos ou formas para cumpri-los.

A Rio+20 saiu das manchetes para entrar na história. Deixou talvez um exemplo de mobilização dado pela sociedade civil e seus múltiplos grupos de representação. Do lado governamental, a herança foi menos exemplar. Chefes de Estado, apoiando-se na competência de seus diplomatas, preferiram a busca de consenso, um novo nome para adiamento. Em lugar das métricas de sustentabilidade, a retórica inspirou na Cúpula do Rio a declaração final, sofridamente redigida. É sempre difícil aplacar as frustrações.
Neste embate entre métricas verificáveis e jogos de palavras, a sociedade organizada vem escolhendo sempre o caminho da quantificação nas propostas. Orienta-se por indicadores, não por exortações. Os procedimentos que gera são muitas vezes imperfeitos, carecem de revisão ou novas metodologias, mas inegavelmente produzem eficácia maior que os discursos repetitivos.

Uma leitura crítica e objetiva de informações dispersas em relatórios, livros, sítios digitais e outros meios de comunicação, revelou um cenário com as mais diversas métricas geradas em organizações sociais e adotadas por empresas em vários países. Todas relacionadas com o ambientalismo, um dos maiores legados éticos do século XX. Aqui, nos limites de uma introdução, busca-se atestar a consistência visível em tais indicadores, mas igualmente contribuir para o seu aperfeiçoamento, pois há notórias falhas a corrigir.

Em contraponto ao apego da governança de Estado pelo artifício da eloquência nas questões ambientais, a sociedade civil vem tentando formas verificáveis de controle nesta área. O leitor encontrará, nas páginas que se seguem, seis estudos numa direção de concretude, elaborados por pós-graduandos na disciplina Estratégias Empresariais e Mudanças Climáticas, ministradas pela FEA/USP durante o ano letivo de 2012.1 Aqui se comenta os conteúdos que foram escolhidos para esta publicação: “A Certificação FSC”; “ISO 14001 e a Sustentabilidade”; “Global Reporting Initiative – GRI”; “ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial”; “Análise dos Indicadores Ethos” e o “CDP-Carbon Disclosure Project”.

O FSC, selo garantidor da origem florestal de madeiras nos mercados interno e externo, é administrado pela Forest Stewardship Council, uma organização não governamental focada na correta gestão das florestas do planeta, as quais, infelizmente, já ocupam o terceiro lugar entre os emissores mundiais de efeito estufa. Em tese, esta certificação garante que os produtos florestais à venda originaram-se de fontes responsavelmente geridas e que a checagem dos antecedentes foi feita em todas as respectivas cadeias de produção.
A inabilidade governamental, em todos os países, para lidar com queimadas e desmatamentos, provocou a criação desta poderosa ONG nos Estados Unidos, em 1993. Foi uma consequência indireta das repercussões de matéria sobre degradação florestal publicada no The New York Times. A reportagem ocasionou a estruturação da Rainforest Alliance, que arregimentou milhares de associados e contribuiu, decisivamente, para o lançamento do FSC anos depois, vindo a ser a primeira certificadora acreditada pela nova organização. Vê-se, neste detalhe histórico, como se podem articular a imprensa livre e os movimentos sociais para suprir falhas da conduta dos Estados no enfrentamento dos danos ambientais.
Não quer isto dizer, evidentemente, que as medidas da gestão privada sejam infalíveis ou acima de quaisquer ressalvas, pontos levantados mais adiante, com o destaque necessário. Antes, porém, fixemos as dimensões do mercado potencial do FSC e de outras organizações de perfil assemelhado, e também não governamentais.

Somente o Brasil tem 477 milhões de hectares de floresta natural e 5,98 milhões de hectares em florestas plantadas, empregando em sua cadeia produtiva cerca de 9 milhões de pessoas. Para lidar com esta imensa fonte de produtos, o FSC é o segundo maior sistema de certificação do mundo, secundando o Programa para Reconhecimento dos Estoques de Certificação Florestal (PEFC, na sigla em inglês), que se volta para o apoio e melhoria de sistemas nacionais de certificação, como é o caso do Cerflor do INMETRO no Brasil. Mundialmente, o FSC contabiliza 152 milhões de hectares certificados contra 243 milhões com PEFC. Além destes dois, o ISO 14001 também opera na área florestal.

O ambiente de negócios altamente comprometido pela ilegalidade desafia constantemente, na Amazônia, o padrão de excelência perseguido pelo FSC, cuja seriedade é proclamada por ONGs respeitáveis. Permanecem na região, apesar dos esforços em contrário, os métodos para burlar controles. Basta dizer que todo o Estado do Pará dispõe de apenas três agentes para averiguar crimes ambientais. Mesmo lidando com estas dificuldades, o selo mantém bons critérios e, após a certificação, há uma visita da certificadora responsável. A cada cinco anos faz-se um novo e completo processo de avaliação para a renovação do selo.

Não faltam críticas ao modelo adotado pelo FSC e a sua falta de agilidade para sanar os erros apontados. Um certificado em Sumatra foi denunciado, evidenciou as falhas, mas a investigação do caso consumiu quatro anos de trabalho. Outro exemplo de burocracia excessiva é uma revisão interna, iniciada em 2009, e com desfecho previsto para 2014. A máquina estatal, como se vê, não está sozinha em lentidão para averiguar.

Os desvios apurados por Aline Ishikawa mostram que no ano 2000 a organização confiou a especialistas a tarefa de investigar alguns certificados. O resultado foi preocupante e indicou problemas sistêmicos, dentro do FSC, ocasionando certificações indevidas. A certificadora mantinha uma relação discutível com madeireiras interessadas em certificações, mesmo contrariando as normas vigentes. O selo “Fontes Mistas” é severamente criticado por servir, mesmo a revelia do FSC, como “um mecanismo de lavagem da madeira ilegal”. Entretanto, apesar das deficiências verificadas, “o selo geralmente garante que o produto atende a uma série de exigências ambientais, sociais e econômicas que não existiam antes da certificação”.
O trabalho acadêmico é completado por um estudo de caso sobre a primeira grande empresa de determinado setor a obter certificado de manejo florestal, em 1998. Atualmente mantém como certificadas pelo FSC todas as suas unidades florestais. Está claramente satisfeita com os benefícios obtidos, mas sugere que haja solicitação de “mais informações quantitativas de desempenho para divulgar no resumo público”, indicando a eficiência da certificada em consumo de energia, água e outros insumos de sua produção.

Outro importante aferidor da eficiência na gestão ambiental das empresas, o ISO 14001, é objeto de análise no trabalho de Ana Carolina Riekstein. A norma vem sendo crescentemente adotada pelo setor privado. Já foram expedidos, em todo o mundo, cerca de 250 mil certificados, atestando que as empresas estudadas conseguiram montar um sistema de gestão ambiental conforme as suas prescrições. São benefícios principais das ferramentas previstas no ISO 14001 a redução do uso de energia, matérias primas e lixos.

A origem deste certificado ISO está na Rio 92, quando se formou um grupo voltado para fundamentação de procedimentos de gestão ambiental nas indústrias. O respectivo comitê surgiu no ano seguinte. Em 1993, esta norma ISO foi anunciada e publicada. Seis passos precedem a obtenção do certificado: desenvolver uma política ambiental; identificar as atividades que possuam interação com o meio ambiente; verificar requisitos legais e regulatórios; demonstrar prioridades da empresa e seus objetivos para redução de impacto ambiental; ajustar a estrutura organizacional para tais objetivos, realizando treinamentos, devidamente comunicados e documentados; e checar, para eventual correção, o sistema de gestão ambiental.
A certificação é obtida após a auditoria realizada por agências credenciadas no INMETRO e o primeiro prazo de validade estende-se por três anos, renovada mediante verificação. O ISO 14001 pode ser decisivo para trazer vantagens competitivas, principalmente no caso de concorrências no exterior. No Brasil, esta certificação vem ampliando consideravelmente o seu espaço. Em 2010 o nosso país destacava-se entre os dez com maior aumento na obtenção destes instrumentos, chegando ao número de quatro mil, um recorde na América Latina.
O estudo aqui comentado elegeu, para avaliação de uso, três corporações certificadas no território brasileiro. A nossa petroleira estatal, uma importante mineradora que ocupa o segundo lugar no ranking mundial do setor e a maior indústria nacional de tecnologia da informação. Na petroleira, que faz parte da história do Brasil moderno, a quase totalidade das unidades nacionais e no exterior está certificada nos padrões estabelecidos pela norma ISO. De todos os fornecedores a empresa exige igual certificação. Em seu plano geral de negócios e estratégia corporativa figura, como diretriz principal, a tarefa de “conhecer, prevenir e mitigar os impactos ambientais”. Em parte graças a isso a empresa está bem próxima de superar os bons índices da indústria global do ramo.

Na mineradora, atuante em mais 38 países e notoriamente a maior empresa privada latino-americana, todas as jazidas estão certificadas, o mesmo acontecendo com o total de ferro exportado. Foi ela a primeira companhia do setor em todo o mundo a obter uma unidade certificada pelo ISO 14001. O cumprimento de metas ambientais é uma variável considerada nos aumentos periódicos de salários.

Detalhado estudo de caso contempla, no trabalho de Ana Carolina, uma empresa 100% brasileira no ramo de tecnologia de informação. O setor foi escolhido em função de sua potencialidade como emissor de gases de efeito estufa. O Instituto Gardner, conhecido pela expertise em pesquisa, apontou as práticas de TIC como responsáveis, em média, por 2% das emissões globais de GEE, podendo crescer para 6% até 2020. Na Alemanha, França e Japão, chega a alcançar o índice de 10%. Cerca de 70% de todo o lixo tóxico nos Estados Unidos vêm do lixo eletrônico. Os países do BRICs, excluída a África do Sul, representam uma grande ameaça: Brasil, Rússia, Índia e China terão juntos, até 2015, 775 milhões de novos computadores.

Essa empresa brasileira de TI também possui certificado ISO 9001, além de produzir Relatório de Sustentabilidade nos termos do Global Reporting Initiative (GRI) no nível A de aplicação. Mantém Sistema de Gestão Ambiental desde 2001 e foi a primeira empresa brasileira do setor a obter a certificação.

Sobre a eficiência do ISO 14001, sugere-se a incorporação de mecanismos obrigatórios de divulgação de resultados para que sociedade e governo possam monitorar o desempenho ambiental das empresas certificadas. Também se observou que o mecanismo de certificação em análise, talvez devido aos seus custos elevados, ainda não é acessível às pequenas empresas.

Guerino Antonio Tonin e Sérgio Rossi Madruga ocupam-se mais adiante do Global Reporting Initiative, comumente designado Relatório de Sustentabilidade. Focam a sua conceituação, forma e conteúdo, aliando igualmente, com grande objetividade, aspectos dos procedimentos que requerem melhorias e correções.

Trata-se, como se sabe, de um documento autodeclaratório, periódico e circunstanciado, para medição da eficácia das políticas ambientais desenvolvidas por uma corporação. Foi concebido nos Estados Unidos, em 1997, pelas organizações filiadas à Coalizão para Economias Ambientalmente Responsáveis e pelo Instituto Tellus. No ano de 2002 o GRI já era uma instituição independente, sem fins lucrativos, estabelecida em Amsterdam.

A partir de 2006 construiu várias alianças e lançou a estrutura dos Relatórios. Em março de 2011 foram divulgadas as diretrizes do G3.1, consideradas as mais completas e que permanecem em vigor. Elas fixam os indicadores para formulação dos Relatórios de Sustentabilidade, com base em diálogos de uma rede de milhares de especialistas em todo o mundo. Atualmente, cerca de 1.500 organizações aderiram a esta prática, incluindo 70 empresas brasileiras.

As diretrizes abrangem seis aspectos na estruturação do documento. Definição de conteúdo, os princípios que devem orientar a qualidade das informações relatadas, seus limites, a estratégia e o perfil organizacional, as formas de gestão adotadas e indicadores econômicos, sociais e ambientais de desempenho. O ciclo de periodicidade anual para divulgação é o mais frequente e o GRI recomenda o uso de verificação externa. São aceitas para este fim empresas de auditoria, com destaque para as quatro maiores: Ernst &Young, Deloitte, KPMG e PwC. O GRI é apontado como um dos mais sofisticados e completos instrumentos disponíveis para balanços sociais no mundo corporativo.

O texto aqui publicado revela substanciais e positivas mudanças na corporação brasileira estudada, um dos maiores bancos privados do país. Está consignado que “as iniciativas carecem de quantificação para efetiva análise dos impactos dessas questões no balanço da empresa”.

Tonin e Madruga desenvolvem uma consistente avaliação crítica dos Relatórios GRI. As falhas que existem devem ser sanadas na elaboração das próximas versões das diretrizes e também pelas empresas que as adotam. Foi percebida uma excessiva concentração nos indicadores sociais, que ocupam mais da metade do conteúdo. As informações econômico-financeiras de modo geral são insuficientes, o que dificulta o procedimento dos tomadores de decisões nesta área.

Foi também notada a falta de exigências mais explícitas para que as empresas meçam adequadamente suas práticas ambientais antes de reportá-las. Observou-se que não há meios para verificações que demonstrem conexão entre o relato e as ações efetivas. O benchmarking é também prejudicado pela ausência de uniformidade na apresentação dos indicadores por várias empresas. As tabelas numéricas obedecem a um padrão, mas os dados qualitativos encontram-se dispersos ao longo do texto, e isso inviabiliza comparações.
Há excesso de fotografias que privilegiam informações genéricas. São raras as empresas que fazem autocrítica. Os relatórios fixam-se exclusivamente nos resultados positivos, jamais nas dificuldades encontradas para atingi-los. Isto se deve à busca ostensiva de benefícios para imagem da empresa, que escolhe, ela mesma, os destaques. Uma solução para este enviesamento seria a mobilização de stakeholders externos, para escolher os dados mais significativos e monitorar sua evolução. Neste sentido, cabe o registro das normas éticas para apelos de sustentabilidade na publicidade, divulgadas em junho de 2011 pelo CONAR – Comissão Nacional de Autorregulamentação Publicitária.

Os defeitos do GRI ora ressaltados, embora pareçam muitos quando referidos em grupo, não anulam os méritos do Relatório em si, principalmente no que diz respeito ao engajamento das empresas em políticas de sustentabilidade – o que já é muito quando se sabe do quase absoluto desinteresse por tais questões, em décadas passadas, no meio corporativo.
Segue-se, no conteúdo aqui disponível para consulta, um ensaio de Reynaldo Schirmer Peçanha, tendo por objeto de análise o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), instrumento criado pela BM&F BOVESPA, que agrupa empresas incluídas entre as 200 com ações de maior liquidez e documentadas práticas sustentáveis.

O ISE ainda não atraiu investidores numa proporção que o habilite como um sucesso. Vem conquistando pouco a pouco o seu espaço e depende, naturalmente, da evolução no aprendizado do público alvo a respeito de iniciativas empresariais sustentáveis. Há também, freando a sua expansão, certa complexidade na formação da carteira, baseada em dados apresentados pelas próprias empresas e sem qualquer verificação externa.

Fundos desta natureza existem nos Estados Unidos desde 1980 e já movimentam um volume superior a três trilhões de dólares no mercado de capitais. Segundo o Dow Jones Sustainability Index, o seu desempenho superou em 15% a performance dos fundos vistos como tradicionais. No Brasil, vem operando a partir de 2011, por iniciativa do sistema financeiro. Calcula-se que o investimento socialmente responsável em nosso país atingiu, em 2012, o montando de R$ 742 milhões, com um incremento da ordem de 55,34% em relação a 2006.

Atualmente, esta carteira especial da BM&F BOVESPA, já em sua sétima edição reúne 38 empresas. Está a dois passos do seu limite autoestabelecido, que é o de 40 companhias. Foi verificado que 21% das empresas participantes autorizaram a divulgação dos respectivos questionários, o que é bastante positivo no quesito transparência.

Registre-se, como inovação das diretrizes para recolhimento de dados, a elevação do item Mudanças Climáticas à categoria de dimensão, considerado que há dois anos era somente um indicador entre outros da dimensão Gestão Ambiental.

Para estudo de caso, Peçanha toma como referência uma das maiores empresas do mundo, atuante em nosso país na área de transportes, concessão de rodovias e mobilidade urbana, com o valor de mercado superior a R$ 20 bilhões. São três as prioridades sociais informadas em seu credenciamento: redução de acidentes, de emissões de CO2 e de resíduos. Um projeto que se destaca nas atividades da companhia é o uso de asfalto ecológico e manufaturado a partir de pneus usados. Em cerca de 17% da malha viária sob sua responsabilidade em São Paulo já foi aplicado esse “asfalto borracha”, como é conhecido. Outra qualificação sustentável do grupo é haver publicado, em 2010, o seu inventário de emissão de GEE.

Executivos da empresa, respondendo ao pesquisador, relativizaram, com grande propriedade, a tese de que o ISE reforça a sua imagem institucional e a de seus produtos. Disseram eles nas entrevistas que a vantagem se dá muito mais no plano interno, ou seja, o ISE atua como um guia de aprimoramento da governança.

Os indicadores Ethos como ferramentas de gestão ambiental foram estudados por Talita Rosolen no trabalho para a disciplina Estratégias Empresariais e Mudanças Climáticas. A análise foi desenvolvida com base em documentos, entrevistas com especialistas e o estudo de caso numa grande empresa.

Estas métricas foram criadas no emblemático ano 2000, quando se renovaram acentuadamente, em todo o mundo, as formas de engajamento da sociedade civil nas práticas de responsabilidade social. Constituem, hoje, instrumentos amplamente adotados por empresas brasileiras e de toda a América Latina. Está em curso um processo de revisão em suas diretrizes para o lançamento, em breve, de sua terceira geração.

Estamos tratando, neste caso, de procedimentos originários da Agenda 21, elaborada na Rio 92, visando assegurar maior eficiência na mensuração e monitoramento das iniciativas sustentáveis no campo empresarial. Implantado, em 1998, o Instituto Ethos de Responsabilidade Social vem alargando bastante os espaços de discussão e apresentação de propostas efetivas nesta linha. Dois anos após sua criação, a entidade projetou e lançou os indicadores aqui comentados. Foram usados em sua última versão por cerca de 550 empresas respondentes aos questionários. Buscam elementos que instruam uma avaliação do estágio em que se encontram as políticas ambientais das corporações interessadas. As informações obtidas são sigilosas e não auditadas.

A partir de 2007 foi franqueado o preenchimento eletrônico das informações a serem processadas por um sistema que encaminha à empresa um relatório comparando-as com a média de um banco de dados composto por empresas que obtiveram as dez melhores notas. Um importante avanço foi a possibilidade de atendimento às micros e pequenas empresas no processo de avaliação, mediante convênio com o Sebrae.

É facultada às empresas a contratação de um facilitador para ajudá-las a realizar todo o processo com recursos internos. O Instituto Ethos disponibiliza, quando necessário, programas de capacitação para que profissionais das empresas tratem do preenchimento.

A terceira geração dos indicadores Ethos, a ser lançada em abril de 2013, encontra-se em fase de construção. Espera-se que seja uma oportunidade para a correção de várias imperfeições detectadas, como a falta de documentos comprobatórios ou evidências que sustentem as informações dadas pelas empresas.

Estes indicadores são de uso gratuito, sem custos para preenchimento dos questionários e recebimento do relatório on-line. Só há cobrança de despesas com uso de consultoria e facilitação do processo. É importante assinalar que mesmo o cumprimento de todas as etapas é insuficiente para visualizar, em sua totalidade, o estágio em que se encontra cada usuário. Tornam-se necessárias providências concretas, dentro das corporações, para garantir a efetividade dos procedimentos descritos no relatório. Em outras palavras, o comprometimento final é uma responsabilidade que cabe às empresas.

Consideremos, por último, neste estudo que encerra a amostra de interpretações, o Carbon Disclosure Project-CDP. Esta certificação tem sua força e sua fragilidade abordadas, em texto conciso, porém certeiro, de José Rafael Motta Neto. O CDP vem conquistando o respeito mundial de grandes investidores, além das comunidades acadêmicas e governamentais. Alguns analistas independentes afirmam, porém, que o instrumento ganharia mais credibilidade se incorporasse um sistema de auditoria externa, o que ainda não acontece. Isto daria maior substância e efetividade à premissa que orienta as diretrizes gerais do CDP. Uma premissa bastante motivadora em sua forma: “o que pode ser medido pode ser gerenciado”.
Por ocasião da Rio+20 o CDP anunciou uma fusão com a Global Canopy Program (CGP), ampliando seu foco para as florestas e reforçando a difusão dos seus informes ambientais. Os seus investidores, institucionais ou signatários, representam US$ 78 trilhões em ativos.
Expostos aqui, de forma sumária, os instrumentos de informação mais conhecidos no âmbito da gestão ambiental corporativa, cabe perguntar se é justo fomentar comparações, nesta matéria, entre as ações do governo e da sociedade civil. Entendemos que a resposta é um sim, com ênfase, pois a sustentabilidade constitui dever a repartir-se por igual entre todos para com todos. Difícil estabelecer fronteiras que separem, no caso, agentes públicos e privados.
A nenhuma esfera pode ser atribuída infalibilidade em suas métricas. Foram descritas as falhas mais visíveis nos indicadores em uso pelas empresas. Isto certamente não os invalida, mas exigem um aprimoramento que, por via de consequência, assegure maior credibilidade às informações.

Já vimos linhas atrás, a frase de um executivo, segundo a qual as métricas na empresa em que trabalha geraram mais vantagens internas, por otimizarem a eficiência, do que externas, por beneficiarem sua imagem no mercado. Em outras palavras, o Brasil ganha muito mais com empresas eficientes do que com empresas simpáticas. O oportuno comentário dele segue a mesma linha do argumento usado por John F. Kennedy sobre os deveres de uma sociedade para com a nação. Sim, ao empresário, antes de tomar decisões, não cabe perguntar o que deve a sustentabilidade fazer por determinados produtos vendidos por ele, mas o que a sua empresa deve fazer para a sustentabilidade ambiental no país que os compra.

Muito se tem falado sobre a transição do atual modelo de produção e consumo para uma economia de baixo carbono. Neste processo, constituem variáveis determinantes, entre outras, os certificados aqui examinados, as cotas internacionais de mitigação de GEE assumidas pelos signatários do Protocolo de Kyoto e o compromisso exitoso do governo brasileiro no combate ao desmatamento. Tais fatores requerem não apenas merecido aplauso, mas o contraponto da crítica independente e construtiva.

Neste quesito, ainda não saímos inteiramente das incertas veredas da utopia. Distantes léguas nos separam de uma sinergia entre as forças do ambientalismo nas empresas, mídia, governos, academias e movimentos sociais. É inegável, porém, que estas forças existem e atuam, apesar de seus equívocos, entre os quais avulta o de supor a iminência de uma “economia verde”. Este modelo ideal por enquanto está no território das longínquas possibilidades. Para abreviar sua chegada ao cotidiano das nações do mundo será preciso fixar objetivos muito claros e adotar métricas verificáveis e continuamente aperfeiçoadas.

Introdução

Os pós-graduandos da disciplina “Estratégias Empresariais e Mudanças Climáticas”, do programa de pós-graduação em Administração FEA/USP, abordam aqui vários casos de tecnologias inovadoras para a sustentabilidade no empreendedorismo privado. Além da descrição de processos, é analisada nos papers a sua viabilidade econômica e eventual utilização em grande escala. Abaixo, resumidamente, os conteúdos apresentados nesta publicação.

Inovações tecnológicas brasileiras capazes de contribuir para a redução das emissões de CO2 dos veículos automotores – O texto de Gleriani Ferreira apresenta um estudo de duas inovações brasileiras, as quais reduzem as emissões de GEE causadas por veículos automotores. São apresentadas duas inovações desenvolvidas por subsidiárias brasileiras de empresas multinacionais. A primeira é a inovação estrutural do virabrequim da ThyssenKrupp, a qual otimiza o contorno da superfície do virabrequim, melhorando sua resistência à fadiga, aumentando sua vida útil e reduzindo o uso de combustível devido ao menor atrito entre suas peças. A segunda inovação é o sistema que elimina o tanque de gasolina em veículos flex-fuel, desenvolvido pela Magneti Marelli do Brasil. A eliminação do tanque de gasolina leva a uma redução no consumo de combustível e, consequentemente, das emissões. A tecnologia já está sendo exportada para os Estados Unidos e Europa.

Smart Grid e potencial de contribuição às mudanças climáticas no Brasil: um estudo da tecnologia Plataforma Hemera – José Guilherme Campos mostra que o setor energético, um dos principais responsáveis pelas emissões de GEE, pode redirecionar o seu desenvolvimento produzindo com maior eficiência. O seu artigo explora tecnologia desenvolvida por uma empresa brasileira, a CAS Tecnologia, relacionada com a eficiência energética e redes inteligentes (Smart Grid), a Plataforma Hemera. Trata-se de um sistema composto de hardware adaptado, sistemas e softwares, o qual utiliza a infraestrutura de telecomunicações para coletar, mensurar, armazenar, processar e transmitir informações sobre os fluxos de energia e consumo. A plataforma é capaz de gerenciar de forma centralizada todas as informações sobre geração, transmissão, distribuição e consumo de eletricidade. De acordo com o presidente da CAS Tecnologia, a Plataforma Hemera tem mostrado ganhos significativos em termos de eficiência energética, revelando uma redução média no consumo de cerca de 20%.

A tecnologia flex na indústria como redutora da emissão de gases de efeito estufa – O ensaio produzido por Matheus da Silva e Ricardo Guimarães analisa uma tecnologia que consiste na adaptação de queimadores industriais, permitindo o uso do etanol como seu combustível. Esta tecnologia foi desenvolvida por uma empresa brasileira, a Gasalcool, e é um exemplo de inovação incremental no contexto de tecnologias para reduzir as emissões de GEE. Muitas indústrias, incluindo aquelas com altos níveis de emissões, usam queimadores industriais para gerar calor. O principal benefício do produto Gasalcool é uma redução de 25% nas emissões de CO2, de mais de 50% nas de NO/NOx. Além disso, tem a vantagem de substituir um combustível fóssil por uma fonte renovável de energia.

A aplicação da tecnologia multicombustível no transporte aéreo – Este artigo de Daniela Stump discute a aplicação da tecnologia SPS (Software Flexfuel Sensor) em motores de aviões a pistão. Esta tecnologia foi desenvolvida e patenteada pela subsidiária brasileira da Magneti Marelli. A iniciativa tem parceria com uma agência do Ministério da Defesa brasileiro. A inovação incremental tem o potencial de reduzir as emissões de dióxido de carbono pela aviação geral, como a tecnologia SFS já tornou possível para veículos flex. De acordo com dados preliminares fornecidos pela Magneti Marelli do Brasil, o uso do etanol em aviões reduz as emissões de CO2 durante a decolagem em cerca de 38%, e de 63% quando em velocidade de cruzeiro, comparativamente a aviões que usam gasolina.

Inovação tecnológica no setor de aterros sanitários: O caso do evaporador de percolado (chorume) com a queima de biogás – Flávia Pileggi estuda o Evaporador de Percolado EVC-1.900, da empresa BTS, que viablizou a queima direta de biogás, para maximizar a evaporação do chorume com eficiência térmica. Utilizando como combustível o próprio biogás produzido no aterro, o evaporador permite simultaneamente a queima do metano e a otimização da capacidade das lagoas de tratamento de percolado (chorume). Instalado sobre uma carreta rebaixada, o evaporador bombeia para dentro de um tanque o percolado estocado nas lagoas de tratamento do aterro. A seguir o líquido é aquecido e evapora, a uma razão de até 1 m³/h. O processo de aquecimento utiliza como combustível o próprio biogás gerado no aterro, que é canalizado e queimado dentro do evaporador. O objetivo da tecnologia é utilizar o biogás que antes era emitido para a atmosfera, com alta concentração de metano, um dos gases causadores do efeito estufa, para promover a evaporação do percolado.

Uma transição para a métrica

Estes documentos demonstram, em boa parte, uma promissora tendência em trabalhos acadêmicos e, de modo geral, nos estudos que apresentam a sustentabilidade como eixo temático. Vem acontecendo, neste segmento do saber, e deveria acontecer com maior celeridade, uma bem-vinda transição da retórica, útil mas insuficiente, para as métricas verificáveis de sustentabilidade.
Talvez o ponto de partida para estas novas formas de abordagem esteja no sempre lembrado relatório de Nicholas Stern, que lucidamente insistiu na prevalência do fazer sobre o sonhar e quantificou, no caso das mudanças climáticas, os graves prejuízos da inércia. Mas a questão não se esgota no mero uso de cálculos para demonstrar situações de fato. Na administração de políticas sustentáveis, sejam públicas ou privadas, é preciso lidar mais rigorosamente com as informações. O Conselho da Segurança da ONU pediu recentemente ao secretário-geral Ban Ki-Moon, que todos os relatórios sobre o clima, no âmbito da Organização, incluam projeções confiáveis sobre os impactos causados pelo aquecimento global.
Também no universo dos negócios aprofunda-se a noção de responsabilidade com uso de informações aos consumidores quando se anuncia determinados produtos e mesmo a imagem de uma corporação. Prevalece hoje no meio corporativo mundial uma grande resistência às lacunas informativas na transmissão de dados à sociedade. O IIRC (International Integrated Reporting Committee), a poderosa câmara de lideranças empresariais e da sociedade civil, elegeu os seguintes princípios básicos do uso de indicadores em qualquer documento: relevância e verificação; acessibilidade às informações; compreensão e clareza; e comparabilidade e consistência.
No mundo inteiro a questão emerge com força e apresenta, em alguns casos, desvios de conduta. Há uma expressão em inglês, greenwashing, usada para designar empresas que tentam lavar a imagem anunciando práticas “sustentáveis”, que mascaram ações contra o meio ambiente. É comum, nestes casos, o financiamento de ONGs superficialmente envolvidas em atividades ecológicas, enquanto a empresa apoiadora mantém atividades de largo e negativo impacto ambiental.
Caracteriza-se aí o marketing encobrindo a gestão antissocial. No Canadá, uma agência de marketing ambiental, TerraChoice, publicou relatório enumerando aos mais graves pecados de greenwashing, todos apontando para a propaganda enganosa e a falta de transparência na gestão que se alegava sustentável. A agência recomenda precauções do consumidor contra empresas que utilizam indevidamente o tema do ambientalismo no lançamento de produtos. Esta cautela deve ser observada no Brasil. Se, por exemplo, tratarmos da Amazônia, cabe perguntarmos, seguindo os conselhos da TerraChoice: “De acordo, estes produtos provêm de uma colheita floresta sustentável, mas quais são os impactos de sua manufatura e transporte? Será que o fabricante procurou reduzir esses impactos?”

Normas do CONAR

No Brasil, em agosto de 2011, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) anunciou princípios indeclináveis na veiculação de anúncios: Veracidade – as informações ambientais devem ser verdadeiras e passíveis de verificação e comprovação; Exatidão – as informações ambientais devem ser exatas e precisas, não cabendo informações genéricas e vagas; Pertinência – as informações ambientais veiculadas devem ter relação com os processos de produção e comercialização dos produtos e serviços anunciados; Relevância – o benefício ambiental salientado deverá ser significativo em termos do impacto total do produto e do serviço sobre o meio ambiente, em todo seu ciclo de vida, ou seja, na sua produção, uso e descarte.
A informação não circula apenas nos anúncios. Ela está presente, e até com maior fartura, nos estudos e documentos, inclusive os oficiais. Métricas não verificáveis ocupam grandes espaços e a principal razão para isso é a precariedade de indicadores ambientais. No Brasil tal quadro exige uma reversão urgente. Nosso país admitiu, na COP-10 em Buenos Aires, que o seu primeiro Inventário de Emissões Antrópicas de Gases de Efeito Estufa continha algumas imprecisões nos indicadores registrados. Aliás, este grau de transparência foi um dos méritos do documento.

O Guia de Boas Práticas na Elaboração de Inventários do IPCC (IPCC, 2000) reconhece que a incerteza das estimativas não pode ser totalmente eliminada e que o objetivo principal deve ser o de produzir estimativas que não sejam nem subestimadas nem sobreestimadas (estimativas acuradas), buscando, ao mesmo tempo e na medida do possível, aumentar a precisão das estimativas.
Seguindo essas recomendações, na geração das estimativas apresentadas neste Inventário, buscou-se assegurar que elas fossem não tendenciosas (sem viés). Para algumas atividades esse objetivo não pode ser totalmente alcançado, seja pela impossibilidade de estimar valores para alguns subsetores, seja pela inadequação de parâmetros default utilizados na ausência de valores apropriados às condições nacionais.
[…] A precisão das estimativas variou dependendo das características de cada setor, dos dados disponíveis e dos recursos que puderam ser investidos na determinação de fatores de emissão mais adequados às circunstâncias brasileiras. Nesse sentido, ênfase foi dada aos setores mais relevantes em termos de emissões de gases de efeito estufa.

Estatísticas ambientais

Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE, onde lançou importantes publicações em torno do tema, produziu um estudo focando a precária situação das estatísticas ambientais, mesmo em centros mais desenvolvidos. Isto se dá, explicou ele, porque na maior parte do século XX os governos privilegiaram outras áreas de interesse. Neste espaço de tempo, as estatísticas demográficas evoluíram significativamente, o mesmo acontecendo com as estatísticas econômicas, em razão da proeminência dessas questões no período. Já o debate sobre sustentabilidade emergiu nos primórdios dos anos 1970 e somente na década seguinte ganhou relevância estratégica. Trata-se de um tema bem mais novo na agenda global.
Explicam-se, portanto, em boa parte, os desencontros e contradições que freqüentemente encontramos nas informações relativas ao meio ambiente. Besserman registra que o Brasil dispõe de qualidade estatística, mas na dimensão ambiental ainda vive as mesmas carências de outros países. Ele ressalva os bons serviços do IBGE e reconhece o mérito do Ministério da Ciência e Tecnologia na elaboração do Inventário Brasileiro de Emissão de Gases de Efeito Estufa. Faz-se necessário, porém, que todos os governos destinem recursos para ampliar essa área, que hoje adquire importância equivalente a dos estudos econômicos e demográficos. É aberta uma exceção para o trabalho do IPCC que montou um sistema capaz de produzir inventários de boa qualidade para além dos países desenvolvidos.
O Brasil deve, portanto, aparelhar-se para montagem de um abrangente banco de dados ambientais, em condições de atender às demandas do governo, da academia, da mídia e, principalmente, da sociedade. No longo prazo, faz-se necessário pensar numa estrutura maior, a partir do modelo IBGE e outros organismos internacionais de referência.
No plano mundial, vemos as representações institucionais da pesquisa, como o IPCC, atuando com equilíbrio para normatizar as formas possíveis de mensuração de resultados no enfrentamento do aquecimento global. Diferentemente do que acontece na rua da ciência, as regras não primam pela razoabilidade na rua das finanças. Ali quase tudo se calcula em fórmulas nebulosas e atrapalhadas. O erro de US$ 2 trilhões nas projeções da dívida pública americana, cometido pela agência Standard & Poor’s, foi por ela reconhecido, mas com a desculpa de que o foco do rebaixamento da nota dos Estados Unidos era a instabilidade política, e não o montante da dívida.
O cálculo errado, denunciado pelo governo americano, foi rapidamente apagado na lousa. A agência de risco declarou-se, da noite para o dia, especialista na avaliação de crises políticas, um domínio que imaginávamos não constar de seu portfólio. O exemplo mostra apenas que o exercício da medição precisa cumprir-se com extremo rigor técnico, em linha com a importância da questão avaliada.

A inovação no Brasil

A métrica é um compromisso público, a inovação uma ferramenta para cumpri-lo. Em complementaridade, elas otimizam a eficiência e a imagem da empresa, legitimando a sua apresentação ao mercado como agente da sustentabilidade.
Em 2011, no Global Inovation Index, da INSEAD, que compara 125 países do mundo, o Brasil avançou 21 posições, passando, neste quesito, da 68ª para a 47ª posição. O ranking demonstra que a inovação tornou-se prioridade global em seis economias européias, duas asiáticas e duas norte-americanas no TOP 10. Se considerarmos a América Latina, ocupamos o terceiro lugar, ligeiramente abaixo do Chile (36) e da Costa Rica (45). Este ranking, organizado por uma das maiores escolas de negócio do mundo, foi realizado em parceria com a Organização Mundial de Propriedade Industrial (OMPI), agência especializada das Nações Unidas.
É importante notar que a posição brasileira sobe em meio a turbulências de grande monta na economia mundial. O ranking da INSEAD pode servir como ferramenta de benchmarking e para incentivar a cooperação público-privada em nosso país, tendo a inovação como questão central. Lembremos que é hora de considerar o surgimento da inovação de terceira geração, ou seja, aquela que integra e relaciona todas as políticas públicas, e não apenas moderniza o setor privado. Na esfera governamental é necessário encontrar formas ágeis de compartilhar resultados inovadores entre as diversas áreas de atuação; e na esfera empresarial, buscar uma articulação permanente da inovação com a sustentabilidade e com o empreendedorismo.
A adoção nas empresas de políticas de sustentabilidade faz parte de uma estratégia moderna e deve levar em conta seis parâmetros na fabricação de qualquer produto. A produção sustentável de um caminhão, de um eletrodoméstico ou de uma resma de papel terá que mostrar qual foi a redução do consumo de energia por unidade produzida, o corte nas emissões de gases-estufa, a diminuição no consumo de água e a redução de dejetos. A unidade se refere a uma unidade de produção de uma empresa, ou seja, um produto. Também há relação com a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) de um Estado ou país. Os outros dois indicadores são o aumento do número de patentes e o aumento da cobertura florestal.
Para que o Brasil possa influenciar a agenda ambiental mundial ele deverá dar um salto na inovação tecnológica. O fato de ter cobertura vegetal e riquezas naturais não vai nos garantir ser um país importante neste século, se não tivermos um diferencial significativo na inovação tecnológica. Nesse quesito, a despeito de recentes avanços, o Brasil vem perdendo para a China e a Índia.
Atualmente, o uso de indicadores sustentáveis é voluntário e as empresas escolhem o que querem divulgar em seus balanços. Essa tendência mudará. As novas regras do CONAR levarão toda empresa que se gabar de ser sustentável em suas peças publicitárias a provar quais os diferenciais que as tornam verdes.
O ambiente para inovação não depende apenas de governantes que adotem medidas periódicas de estímulo ao setor privado, nem de empresários com um perfil modernizador. Sem estabelecermos o peso de cada um dos fatores, recordemos aqueles os principais mencionados em vários estudos pertinentes. A lista é extensa, mas cabe reproduzi-la: Proteção da propriedade intelectual; estabilidade política do país; ambiente de regulamentação; quadro institucional; estabilidade macro-econômica; abertura ao investimento estrangeiro; regime fiscal; flexibilidade do mercado de trabalho inclusive na contratação de estrangeiros; abertura para influência de outras culturas; atitude proativa com relação ao avanço da ciência e acesso a financiamento dos investimentos.
Vários fatores podem tornar ainda mais favorável e estimulante o ambiente para a inovação no Brasil em prol da sustentabilidade. Podemos filtrá-los nas seguintes direções:
Adotar métricas de sustentabilidade claramente fixadas e que assegurem sua rigorosa verificação a todos os investidores, em especial aqueles que se beneficiem de recursos públicos
Valorizar nos currículos das escolas técnicas e das faculdades de engenharias os processos de inovação que almejam o desenvolvimento de produtos e processos redutores de GEE
Aprimorar os processos de registro de patentes no Brasil e elevar as compensações aos pesquisadores e inventores que obtém o registro de patentes para processos e produtos redutores de GEE.

A métrica do desenvolvimento

Outras formas de mensuração do desempenho das nações também vêm sendo experimentadas. Quando se trata de refletir sobre o futuro global, vemos que esses novos exercícios relativizam o peso do Produto Interno Bruto na caracterização do desenvolvimento. E podemos considerá-los cada vez mais orientadores na complexa leitura do nosso tempo.
Um conhecido ranking da revista The Economist mede o progresso de países pelo seu grau de inovação. É um dos conteúdos mais interessantes sobre a matéria, já divulgados naquele veículo. Tomemos, para breve comentário, suas projeções relativas ao ano de 2013. Japão, Suíça, Estados Unidos, Suécia e Finlândia permaneceram na liderança, mas a partir do universo abrangente daquele estudo, chamou a atenção o desempenho das nações emergentes, entre as quais o Brasil. O levantamento fornece tabelas com base em dados sobre patentes internacionais, insumos, resultados e ambiente favorável a projetos nesta linha.
Apesar de o Brasil ter melhorado sua colocação nas previsões para 2009/2013, em comparação ao período anterior, a China aumenta bem mais fortemente o desempenho, em contraste, sobretudo, com a pequena melhoria da Índia. O país comunista beneficia-se do ímpeto de sua expressão econômica, esforço concertado para melhoria da base tecnológica e investimentos em P&D muito superiores aos demais emergentes.
Cabe lembrar, igualmente, a edição regular do Academic Ranking of World Universities, que reflete o interesse dos chineses em conhecer as instituições capazes de receber seus estudantes e inspirar avanços internos do ensino superior. Foi neste processo que a liderança daquele país decidiu investir, nos próximos dez anos, expressivos recursos adicionais nas Universidades de Peking e Tsinghua.
A China já é líder mundial no número de pessoas engajadas em ciência e tecnologia. Em 2005 representava 6% do número de artigos científicos publicados no mundo (1,6% em 1995), e agora é o quinto país na mesma escala. Os seus egressos do ensino superior formados em cursos de ciências e engenharia representam 40% do total, o que representa quase o dobro da média da OCDE, e muito acima dos 15% registrados nos Estados Unidos. Grande parte do investimento direto na China dirige-se a segmentos inovadores da indústria. Exige-se das empresas estrangeiras ali instaladas que montem laboratórios de pesquisa no país.

Um ranking ambiental

Se no ranking de avanço tecnológico aquele país asiático distinguiu-se notavelmente e situa-se bem à frente do Brasil, em outro estudo, focado na sustentabilidade ambiental invertem-se as posições. Tratemos aqui do Environmental Performance Index (EPI) – Rankings & Scores, da Yale University, coordenado pelo professor Daniel Esty.
O EPI identifica metas de performance ambiental amplamente aceitas e medidas relativas a proximidade de cada país com relação a cada uma destas metas. Como um indicador quantitativo de controle da poluição e de identificação de resultados da gestão dos recursos naturais, o índice fornece uma poderosa ferramenta para a melhoria das políticas sustentáveis e de aprimoramento da tomada de decisões com base em fundamentos analíticos mais sólidos.
A métrica do desenvolvimento, que ainda tem no PIB a sua referência decisiva, é também questionada pela Comissão Stiglitz-Sen, assim chamada porque tem à frente dois ganhadores do Prêmio Nobel, Joseph Stiglitz (2001) e Amartya Sen (1998). A “Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress” está revendo cálculos e parâmetros na avaliação das contabilidades nacionais. Busca um indicador que transcenda o PIB atual, não restrito aos números da produção, mas considerando igualmente o êxito de políticas públicas.
Além de participar ativamente da Cúpula das Américas em abril do próximo ano e das reuniões do G-20, o Brasil sediará, no mês de junho de 2012, a Conferência Rio+20. Os três eventos são oportunidades para que o nosso país ingresse na vanguarda geopolítica dos temas ambientais. Na reunião do Rio de Janeiro a economia verde poderá se inserir no plano mais amplo da sustentabilidade e da erradicação da pobreza extrema. Supõe-se que haverá tempo suficiente para que este novo projeto social do governo brasileiro, ao qual não faltam métricas explícitas, venha a ser detalhado aos olhos de observadores estrangeiros e suscitem apoios não cogitados.

Cenários demográficos

Métrica não específica da sustentabilidade ambiental, mas presente nela e às vezes decisiva em todos os desafios contemporâneos, a demografia é a grande bússola para medir o futuro. Em 2011, o mundo chegou aos sete bilhões de habitantes. Para o final do século, vários cálculos, inclusive o que aponta redução populacional, estão circulando nos estudos pertinentes.
A Organização das Nações Unidas adotou o critério de trabalhar com a hipótese média, 10 bilhões de habitantes em 2100. Para isso considerou um viés de alta que levaria o mundo à cifra explosiva de 15,8 bilhões de moradores, e um viés de baixa reduzindo o ritmo de queda populacional em todos os continentes (exceto a África). Este último, situando-se no patamar de 6,2 bilhões de indivíduos, seria inferior ao que atingimos no ano em curso. A média estimada pela ONU impõe todas as precauções lícitas, que incluem itens diversos, entre estes o controle da natalidade e a educação. Avultam, ainda, os esforços para garantir segurança alimentar e abastecimento de água às multidões vindouras.
Todos os estudos defendem o encolhimento da população do mundo em que viverão os beneficiários das nossas preocupações ou as vítimas da nossa irresponsabilidade. E não basta simplesmente que se usem preservativos ou se estabeleça obrigatoriedade dos métodos contraceptivos. Embora o Brasil, nos últimos dez anos, tenha baixado a taxa de fecundidade, só em 2040 a população local vai efetivamente diminuir. Um especialista brasileiro em estudos populacionais, George Martine, deixou nos jornais uma advertência que serve de premissa para a adoção de métricas demográficas: “Planejamento familiar não tem efeito retroativo. Cerca de 80% do crescimento populacional projetado é inercial. Mesmo que a taxa de fecundidade caia abruptamente em todos os países, a população continuará crescendo por um bom tempo e temos que discutir como nos adaptar a essa nova realidade.”

Conclusão

Quando se trata de fixar objetivos em projetos sustentáveis, a métrica não é aposta e muito menos declaração de intenções. Deve relacionar-se, nestes casos, a todas as variáveis que cercam o projeto. Depois, para medir os resultados, ela incorpora os mesmos fundamentos utilizados para fixá-las. A transparência deve ser um procedimento indeclinável. O mesmo se dá na composição e caracterização informativa de um produto.
O desatrelamento entre crescimento econômico e uso dos recursos naturais é precondição para um futuro sustentável. Neste quadro, certas regras tácitas que priorizam o curto prazo, embora comuns e até seculares na rotina dos negócios, perdem completamente o sentido na verdadeira economia verde. Vive-se, finalmente, a transição entre a retórica documental e a métrica. A sustentabilidade percorreu longo caminho até ganhar uma nova identidade. Não é lícito anular esta conquista.

Referências Bibliográficas

  • BESSERMAN, Sérgio. A lacuna das informações ambientais. In “Meio Ambiente no século 21. Sextante, 2003.
  • Economist Intelligence Unit Report. Ranking of the World’s most Innovative Countries, abril, 2009. Disponível em: http://graphics.eiu.com/PDF/Innovation_Complete.pdf
  • Environmental Performance Index (EPI). Ranking & Scores. Yale University, 2010. Disponível em: http://epi.yale.edu.
  • GÓIS, Antônio. Muvuca planetária. Folha de S. Paulo, Ilustríssima, pgs. 4/5, 14 ago. 2011.
  • MARCOVITCH, Jacques. 2006. Para Mudar o Futuro – Mudanças Climáticas, políticas públicas e estratégias empresariais. Edusp/Saraiva.
  • World Economic Fórum: http://www.weforum.org/ documents/gcr0809/index.html