Pioneirismo e Sustentabilidade na Amazônia

Os textos desta coletânea documentam aspectos do processo de formação em administração de empresas numa grande universidade brasileira. Alunos desta área, matriculados na pós-graduação da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, elaboraram os trabalhos aqui reunidos, após leitura de bibliografia pertinente e aplicação de questionário exaustivamente pré-discutido até sua plena assimilação. O tema escolhido foi o engajamento de empresas da região amazônica em propostas de sustentabilidade ambiental, com ênfase na mitigação de gases de efeito estufa. Procedeu-se, antes da escolha das empresas e consequente levantamento de dados, amplo debate em classe da questão a ser investigada.

Encontram-se, no resultado obtido, um volume de informações e acurados juízos em torno da matéria. Como é frequente em textos coletivos, alguns conteúdos apresentam maior densidade que outros. Cabe ao leitor identificá-los, uma vez que todos, indistintamente alcançaram o patamar requerido para aceitação acadêmica. São escritos que trarão aos visitantes deste espaço digital um quadro fiel e objetivo das ações empresariais de sustentabilidade na mais complexa região do País.

Grandes corporações brasileiras estão demonstrando que a prática sustentável, além de legítima, é uma boa opção estratégica. A Companhia Vale do Rio Doce, segunda maior mineradora do mundo, aplica uma engenharia de exploração menos danosa ao ambiente. Respeitáveis organizações não governamentais, como a Amigos da Terra, reconhecem publicamente que a Vale costuma ter um cuidado maior no modo como explora minério, se comparada a outras empresas do setor.

Mesmo assim, desenvolvendo uma atividade notoriamente causadora de impactos ambientais e sociais, a empresa em análise tem enfrentado veementes censuras, originárias de grupos religiosos e políticos. O trabalho aqui apresentado pelos alunos Luis Felipe Bismarchi e Marina Carrilho Soares registra manifestações contra supostos descumprimentos da legislação trabalhista e contaminação da água, poluição do ar ou subsidência do terreno. Outros impactos negativos da mineração, igualmente apontados por seus críticos (especificamente no caso da Vale) vinculam-se ao surgimento de siderúrgicas no entorno das explorações. Tais indústrias usariam carvão vegetal para a produção de ferro gusa – o que ocasionaria, anualmente, um desmate de 300 mil hectares de floresta primária.

Comentam os alunos que a empresa reage a essas acusações com iniciativas sustentáveis, a seguir mencionadas, que foram extraídas de informações bem documentadas e disponíveis na web. Os autores do estudo não tiveram um diálogo maior com a direção corporativa, em função de sua política de confidencialidade excessivamente rígida. Valeram-se por isso, talvez em demasia, de informações já divulgadas na mídia ou no site da companhia, além de entrevista de um funcionário que, mesmo depondo a favor da empresa, exigiu anonimato. Agiria bem a Vale se flexibilizasse esta política de informações, facilitando o trabalho de jovens pesquisadores em fase de formação acadêmica.

A Companhia Vale do Rio Doce, desde 2005, empenha-se na identificação de oportunidades para mitigação de gases de efeito estufa. Foi implementado, por exemplo, no estado do Pará, o projeto de redução de PFC (perfluorcarbono) na Albras, sua empresa produtora de alumínio, ali sediada; algumas de suas usinas de pelotização de minério de ferro já substituem óleo combustível por gás natural; parte de suas locomotivas, em diversas ferrovias, trocaram o diesel pelo biodiesel; e a empresa tem participado das últimas edições do Carbon Disclosure Project (CDP).

Encontraremos no estudo aqui referido uma descrição de ações sustentáveis em 15 empreendimentos da Vale. Entre outros, a edição de um Guia para fechamento sustentável das minas abertas; o reaproveitamento da água e gestão hídrica; e o programa Vale Florestar, iniciado em 2007, para recuperação das matas nativas e plantio de florestas industriais. Ambos os programas abrangem cerca de 3 mil quilômetros de áreas florestais. Prevê-se, um investimento de US$ 300 milhões até 2015.

Outra corporação de grande porte no setor de mineração, a Alcoa, anunciou recentemente a sua estratégia para a exploração da mina Juruti, no estado do Pará. Tal estratégia fixou-se desde o começo em bases sustentáveis e fortes vínculos com a comunidade local. O projeto foi analisado pelo pós-graduando Nelson Poli Teixeira Filho, que contextualizou as ações ecoeficientes e entrevistou, para descrição específica, um executivo da área ambiental da Alcoa.

O projeto Juruti produzirá 6 milhões de toneladas de bauxita por ano em sua primeira fase, podendo alcançar o montante de 10 milhões. Cerca de 1.500 empregos diretos serão gerados na fase de operação e espera-se um contingente de 4.300, entre diretos e indiretos, na etapa de instalação. Nos três primeiros anos absorverá um investimento calculado em R$ 1 bilhão.

Consciente dos impactos socioambientais que uma iniciativa deste porte causará, a Alcoa tornou-se parceira da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e do FUNBIO (Fundo Brasileiro para Biodiversidade), a fim de identificar anseios comunitários e obter uma “licença social” em suas operações. O estudo identifica no empreendimento o avesso do padrão “boom-colapso”, tão frequente na exploração madeireira, que consiste em crescimento econômico da área da etapa de exploração e, cessada esta, enorme declínio da circulação de capital na comunidade.

Ergueu-se nas proximidades da mina um espaço de convivência para discussão das atividades locais da empresa e seu embasamento sustentável. Paralelamente a estes debates, passou-se à elaboração, também participativa, de um painel de indicadores, visando o monitoramento de todos os impactos, criação de um fundo para captação de recursos destinados às ações recomendadas por um Conselho plural e desenvolvimento da agenda de desenvolvimento local para o futuro.

Vê-se, portanto, que o projeto Juruti seguirá no contrafluxo do mecanicismo empresarial que privilegia os planos de negócios e lucros dos acionistas, ignorando as demandas sociais no entorno das atividades produtivas. Estas demandas, como se sabe, são em geral remetidas ao encargo exclusivo do poder público. Desprezou-se, também, na conceituação do plano o caráter assistencialista. A comunidade foi percebida como “sujeito de direito, com capacidade de trabalho e fortalecimento”.

O estudo reproduz e qualifica cinco diretrizes da política ambiental da Alcoa na região: conservação do solo e da biodiversidade; geração de empregos decentes e capacitação da mão de obra; energias renováveis inseridas na matriz energética; competitividade dos produtos pela via da inovação e da eficiência; e consolidação de uma cultura de gestão, mediante um trabalho interno de divulgação do projeto. Prevalecem na área de sustentabilidade da empresa engenheiros ambientais com especialização em Qualidade, Segurança e Saúde.

Além da parceria com a FGV e o FUNBIO, a Alcoa mantém convênios com a Universidade Federal do Pará, Centro Universitário do Pará e Universidade Aberta do Brasil, além de frequente interação com o Museu Emílio Goeldi e com o Instituto Evandro Chagas.

O estudo sobre a Agropalma, desenvolvido por Annelise Vendramini da Silva Caridade e Fernando Mori de Castro, merece atenção especial como atividade acadêmica. Descritivo e analítico em proporções equivalentes, adota uma linguagem que pode ser compreendida por leitores de todas as formações.

Os autores elegeram como premissa metodológica a identificação da convergência dos procedimentos ambientais da empresa com as recomendações da literatura técnica examinada, concluindo pela rigorosa sintonia, no caso, entre a práxis e os referenciais teóricos. A experiência da Agropalma distingue-se por seu nítido viés estratégico. Antecipou-se, em pelo menos quinze anos, às preocupações com a sustentabilidade, hoje dominantes no meio corporativo.

O grupo Agropalma, totalmente nacional, dispõe do mais extenso e moderno complexo industrial voltado para o processamento do óleo de palma. Está presente em todo o ciclo produtivo, desde o cultivo até o refino do óleo, gordura vegetal e margarina. Possui 4.500 funcionários e registra um faturamento anual de aproximadamente R$ 650 milhões. Numa área de 107 mi hectares, usa 39 mil para cultivo e extração, destinando cerca de 64 mil a reservas florestais monitoradas. Já investiu na Amazônia, desde sua fundação US$ 250 milhões.

A partir de 1994, apostando na agricultura orgânica e deixando de utilizar insumos químicos, a Agropalma deu uma guinada em sua cultura de gestão e passou a investir em processos inovadores, reforçando a competitividade e conquistando, além de resultados comerciais, vários certificados de desempenho sustentável. Registre-se que a tonelada de óleo certificado supera de 35 a 40% o preço do óleo comum.

A Agropalma é a empresa mais certificada do setor e entre os fatores para sua performance inclui-se a existência de um corpo gerencial inovador, com idade entre 29 e 42 anos. Outro diferencial positivo é que o seu plantio é feito em área já degradada pelo desmatamento, queimadas e pastagens. Mais outro, ainda, é que a energia consumida em suas atividades vem do reaproveitamento das próprias fibras vegetais.

O estudo lista 15 ações de gestão ambiental mantidas pela empresa. Entre estas, o monitoramento periódico e tratamento de efluentes líquidos gerados em todas as atividades das indústrias de extração de óleo bruto e da refinaria; monitoramento periódico da quantidade e qualidade das águas superficiais (rios e igarapés) e subterrâneas (poços de água para consumo humano, industrial e lençóis freáticos) de abrangência do Grupo Agropalma; construção de aterro controlado para resíduos não perigosos e domiciliares do Grupo Agropalma e das vilas de entorno; reciclagem de mais de 60% dos resíduos sólidos gerados em todas as atividades; reaproveitamento de fibras vegetais e cascas de nozes na geração de energia, contribuindo na redução de consumo de combustível fóssil; reflorestamento de mais de 12,5 mil hectares de áreas degradadas; preservação de todas as matas ciliares que protegem os cursos d’água; e planos de emergências ambientais estendidos a todas as áreas, incluindo treinamentos e simulados periódicos.

Operando no âmbito do chamado Arco do Desmatamento, a nordeste do Pará, próximo do Maranhão (onde somente 23% da floresta estão preservados), a empresa faz um contraponto à cultura predatória ali dominante. De fato, o inventário de suas iniciativas sinaliza uma contribuição relevante à redução de gases de efeito estufa, embora a empresa não tenha adotado o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), em face da instabilidade nas regras e incertezas quanto ao futuro deste mercado.

Veremos no trabalho apresentado por Anita M. de Moura, Eva Daviaud e Maria Augusta Miglino um estudo de caso sobre o Grupo Orsa. Alertando o leitor para o fato de que não houve levantamento in loco dos procedimentos daquele importante conglomerado e usando informações quantificadas e fornecidas por seus executivos entrevistados, as jovens pesquisadoras emitem um juízo positivo quanto às políticas ambientais referidas. As empresas Orsa, conclui o trabalho, incorporam as regras da sustentabilidade ao seu modelo produtivo na Amazônia.

Paralelamente às informações colhidas, as autoras do texto abordam a questão ambiental em seus fundamentos conceituais. Agregam ao princípio do triple bottom line, enunciado por John Elkington, as dimensões por ele mesmo definidas para harmonizar prosperidade econômica, qualidade do ambiente e justiça social: mercado, valores, transparência, ciclo de vida tecnológico, parcerias, perspectivas e tempo de governança corporativa. Justificando o método de estudo de caso, recuperam com grande pertinência observações de Franz Bruseke sobre eventuais contrastes entre teoria e empiria, que expressam “o movimento de procura de explicação que as teorias não nos fornecem”. Sublinham que, sobretudo no caso de empresas que lidam com recursos naturais (situação do Grupo Orsa), é fundamental a incorporação do princípio da sustentabilidade às suas estratégias e cultura de gestão.

O Grupo Orsa é mais uma organização atuante na Amazônia com capital inteiramente brasileiro. Congrega três empresas e uma Fundação. Os seus produtos são os únicos no mundo que têm 100% de certificação pelo FSC, um selo que garante o rastreamento de toda a cadeia produtiva da madeira extraída. Em 2007 apresentou resultado bruto de R$ 1.245 bilhões. Adquiriu o antigo projeto Jari, hoje totalmente reformulado e desenvolvendo, como importante atividade, o Manejo Florestal Sustentável Certificado. O Jari da Orsa é uma localidade com passivo ambiental zero.

O Grupo voltou-se, na empresa Ouro Verde, para o trabalho com produtos florestais não madeireiros. Prevê-se inicialmente o processamento de derivados de castanha. Poderá, em 2010, atuar nas cadeias produtivas do açaí e do cacau, o que resultará no aumento de renda para as comunidades que vivem na floresta e proximidades. É um caso em que prevalece a gestão ambiental sobre a lógica de mercado, pois é sabido que produtos florestais, dependentes de sazonalidade, têm um retorno comercial limitado.

Os diretores entrevistados para este estudo de caso reiteraram as críticas ao Estado brasileiro que vêm marcando, na mídia, alguns pronunciamentos da empresa. Acentuaram que a iniciativa privada na Amazônia supre a ausência de políticas públicas no que concerne à educação e à saúde. Destaque-se, também, a afirmação de que o mercado interno de móveis não recompensa o esforço de empresas que buscam a certificação: “Na maior parte das vezes o consumidor escolhe madeira barata. Principalmente em tempos de crise como este. Quem vai realmente preferir pagar mais caro por madeira certificada?”

Por último, ficamos a par das ações da empresa Beraca, em trabalho realizado pelas alunas pós-graduandas Juliana Aziz Miriani Russar e Maiana Brito de Matos. Elas apresentam inicialmente um panorama geral dos fatores que situam o Brasil como um dos maiores emissores mundiais de GEE e, conforme o próprio inventário oficial, tendo as queimadas e desmatamentos como responsáveis por 75% dos lançamentos na atmosfera, enquanto apenas 25% cabem à indústria e aos transportes. Em seguida, com base no material recolhido em publicações diversas e entrevista da direção da Beraca, estuda-se a política ambiental da empresa, como empreendimento associado ao Programa de Incubação Tecnológica da Universidade Federal do Pará.

A Beraca, empresa familiar com 53 anos de história, produz ingredientes naturais extraídos da floresta e destinados ao mercado de cosméticos, medicamentos e fragrâncias. Opera de acordo com os padrões internacionais de certificação e seus fornecedores são comunidades extrativistas locais. Exporta seus produtos para mais de 40 países e tem unidades instaladas em Ananindeua (PA), São Paulo (SP), Santa Bárbara do Oeste (SP), Anápolis (GO) e Itapessuma (PE).

Em 2001, a companhia estudada implantou nova proposta de gestão sustentável e modelos produtivos ditados pelo princípio da inovação. Foi naquele ano que comprou parte da Brasmazon, empresa ligada à incubadora da UFPA, e deixou de ser apenas fornecedora de outras indústrias. Passou a desenvolver sua própria linha de ingredientes. Adquirindo matéria-prima colhida por cerca de duas mil famílias, beneficia derivados de açaí, andiroba, urucum, castanha do Pará, buriti, copaíba, cupuaçu e outros que são usados em perfumaria e cosméticos.

A Beraca é, certamente, a maior experiência de aproveitamento industrial da biodiversidade amazônica, em bases comprovadamente sustentáveis. Contribui para a sensibilização ambiental das populações locais de baixa renda, que são mobilizadas para a colheita não madeireira, com remuneração melhor do que a obtida no corte ilegal de árvores.

Na entrevista por escrito concedida pela empresa às jovens pesquisadoras da FEA/USP é contado que, em 1998, o presidente da corporação visitou a região amazônica em busca de parcerias para implementação de seu projeto sustentável. A oportunidade surgiu com a desvalorização do real para o dólar e uma consequente chance de exportar produtos da Amazônia para o mercado externo de cosméticos. Isso demonstra como empresas competitivas, adotando tecnologias inovadoras, podem aproveitar as mudanças cíclicas da economia e obter lucros. É declarado, ainda, com um pleno conhecimento de causa, que o mercado de produtos naturais e orgânicos “é o que mais cresce no mundo”. Endossa-se, desta forma, constatações publicadas por vários estudiosos da economia amazônica.

A relação do sistema produtivo brasileiro com o meio ambiente é muito peculiar e extremamente diversa da que se constata em países desenvolvidos. O primeiro traço distintivo é que, em nosso país, os transportes e economia lícita respondem, juntos, por apenas um quarto das emissões de GEE, enquanto as queimadas e os desmatamentos, principalmente na Amazônia, lançam três quartos na atmosfera. Tal não se dá porque a nossa produção tenha um comportamento ambiental exemplar, mas pelo fato de possuirmos florestas cuja magnitude, paradoxalmente, estimula maior intensidade nas ações ilegais e predatórias. Feita esta ressalva, pode-se afirmar que no Brasil ocorrem avanços tecnológicos e de procedimentos que colocam grande parte do setor empresarial em sintonia com as melhores práticas de sustentabilidade.

Os cases aqui expostos e outros já apurados ou em andamento na linha de pesquisa Para Mudar o Futuro, praticada no âmbito da USP, evidenciam que, nesta primeira década do século XXI, as empresas atuantes no Brasil deram passos de grande alcance na direção de modelos cada vez mais limpos de produção. Outros exemplos, no plano corporativo, demonstram procedimentos novos e promissores. Podemos lembrar alguns pactos já celebrados, que seriam impensáveis no século passado, quando ambientalistas e empresários defrontavam-se em conflitos perigosos e politicamente insanáveis.