Estratégias empresariais na Amazônia: o Caso da Agropalma

Resumo

Este trabalho apresenta o caso da Agropalma, empresa do setor de agronegócio, produtora de óleo de palma e palmiste, localizada nos municípios de Tailândia, Moju, Acará e Tomé-Açu, no Estado do Pará, uma região de grande sensibilidade socioambiental, a Amazônia. Apresenta também a revisão da bibliografia relacionada ao tema da sustentabilidade, que tem ganho crescente espaço na pauta de governos, empresas e de sociedades do mundo todo e é o conceito fundamental sobre o qual as empresas se baseiam para desenvolver e justificar estratégias voltadas para a questão das mudanças climáticas. São apresentados os pontos de convergência entre a literatura pesquisada e as práticas observadas na empresa, assim como as lições aprendidas com o caso e com a literatura.

Abstract

This paper presents the sustainability case study of Agropalma, a leading Latin American producer of palm and palm kernel oil, located in Tailândia, Moju, Acará e Tomé-Açu in the Amazon region. It is presented a bibliography review on sustainability and climate change and an analysis of convergence points of the company’s practices and the literature presented. Sustainability and climate change are subjects that have grown in importance and in public attention in recent years and are present in the public and private agendas worldwide.

1. Introdução

Este trabalho apresenta o caso da Agropalma, empresa do setor de agronegócio, produtora de óleo de palma e palmiste, localizada nos municípios de Tailândia, Moju, Acará e Tomé-Açu, no Estado do Pará, uma região de grande sensibilidade socioambiental, a Amazônia. Apresenta também a revisão da bibliografia relacionada ao tema da sustentabilidade, que tem tido crescente espaço na pauta de governos, empresas e de sociedades do mundo todo e é o conceito fundamental sobre o qual as empresas se baseiam para desenvolver e justificar estratégias voltadas para a questão das mudanças climáticas. Na seção “Análises” são apresentados os pontos de convergência entre a literatura pesquisada e as práticas observadas no caso; na seção “Conclusões” são tratadas as lições aprendidas com o caso e a literatura; na seção “Anexo” é apresentado o questionário aplicado.

2. Objetivos e metodologia de pesquisa

Os objetivos específicos e contribuições esperadas deste trabalho são contribuir para (i) maior entendimento dos conceitos ligados ao tema da sustentabilidade e (ii) melhor entendimento das estratégias e práticas de negócios relacionadas às mudanças climáticas.

Para atender ao primeiro objetivo foi realizada a revisão da bibliografia relacionada ao tema da sustentabilidade, que tem tido crescente espaço na pauta de governos, empresas e de sociedades do mundo todo e é o conceito fundamental sobre o qual as empresas se baseiam para desenvolver e justificar estratégias voltadas para a questão das mudanças climáticas.

Para atender ao segundo objetivo é apresentada a experiência de gestão socioambiental da Agropalma S.A, empresa do setor de agronegócio, produtora de óleo de palma e palmiste, localizada nos municípios de Tailândia, Moju, Acará e Tomé-Açu, no Estado do Pará em uma região de grande sensibilidade socioambiental, a região Amazônica.

Considerando-se a complexidade do tema, será necessária uma investigação exploratória sem testar hipóteses, para que as práticas vigentes sejam identificadas, comparando-as com a bibliografia consultada.

Esta pesquisa não tem a pretensão de esgotar o assunto ou concluir precisamente sobre ele, mas antes, realizar um estudo de caráter exploratório que possa contribuir para o estado da arte da Administração, expandindo a fronteira de conhecimento sobre a gestão estratégica para a sustentabilidade.

– Metodologia de pesquisa

Este trabalho apresenta uma pesquisa qualitativa, exploratória aplicada, utilizando-se o método de estudo de caso. A pesquisa é descritiva tendo sido utilizado como instrumento de pesquisa o questionário apresentado na seção 8.

Vergara (2003, p.47) propõe dois critérios para classificação de uma pesquisa: quanto aos fins e quanto aos meios. Quanto aos fins, a pesquisa pode ser exploratória, descritiva, explicativa, metodológica, aplicada e intervencionista. Quanto aos meios de investigação, pode ser: pesquisa de campo, pesquisa de laboratório, documental, bibliográfica, experimental, ex post facto, participante, pesquisa-ação, estudo de caso.

Quanto aos fins, segundo esta taxionomia, este estudo trata de uma investigação exploratória aplicada. Exploratória porque foi realizado em área na qual há pouco conhecimento acumulado e sistematizado, não comportando hipóteses. Aplicada, porque tem finalidade prática.

Quanto aos meios, esta pesquisa é de campo, estudo de caso e ex post facto; de campo porque é uma investigação empírica realizada no local onde ocorrem os fenômenos a serem explicados; estudo de caso por ter caráter de profundidade e detalhamento e por ser circunscrita às empresas estudadas. (Ibid, p.49). Segundo Yin, o estudo de caso busca esclarecer como decisões foram tomadas, seus motivos, como foram implantadas e quais os resultados obtidos. (2005, p. 31). Ex post facto porque se refere a manifestações já ocorridas onde o pesquisador está impossibilitado de manipular e controlar as variáveis. (VERGARA, 2003, p.49)

Yin define o método do estudo de caso como sendo “uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente definidos”. (YIN, 2005, p.32)

O estudo de caso é uma estratégia de pesquisa preferida “quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real” e “o estudo de caso permite uma investigação para se preservar as características holísticas e significativas dos acontecimentos da vida real” (YIN, 2005, p.19-20). Estudos de casos não devem ser utilizados para avaliar a incidência de fenômenos; devem tratar tanto do fenômeno em estudo quanto de seu contexto. (Ibid, p.71)

3. Revisão bibliográfica

O conceito ‘desenvolvimento sustentável’ (de onde se origina o termo ‘sustentabilidade’), embora atualmente bastante empregado tanto nos meios empresariais como nos acadêmicos, está longe de ser um consenso. Pezzey pesquisou as definições existentes para o termo e encontrou mais de cinquenta (1989). Portanto, o conceito de desenvolvimento sustentável ainda não é unânime na literatura científica. O conceito proposto pela Comissão Brundtland é bastante criticado por ser considerado uma definição pobre e inoperante. Algumas correntes críticas consideram que, ao se tomar por base a definição de Brundtland, a integridade dos recursos naturais deveria ser mantida independente das preferências humanas, ou que o termo pode evoluir para um “termo de efeito” (catch-frase) desprovido de qualquer sentido conceitual, prático e operacional. (HOWARTH, 1996) Na teoria econômica, Dasgupta e Mäler consideram que o conceito de sustentabilidade é um “retrocesso intelectual”; trata-se de um conceito incompleto, imposto como limite às escolhas políticas sem estar baseado na concepção de bem-estar social; enfraquece a alocação eficiente de recursos ao forçar os tomadores de decisões a conservarem os ativos naturais mesmo nos casos em que maiores benefícios poderiam ser obtidos pela substituição do capital reproduzido por óleo, florestas antigas, e outros recursos. (1995 apud HOWARTH, 1996) Para Solow, a definição de sustentabilidade é vaga e seu significado pertence mais à ética que à ciência; a sustentabilidade deve ser entendida como uma “obrigação de conduta de maneira a deixar para o futuro a opção ou a capacidade de estarem tão bem quanto nós estamos.” (SOLOW, 1991 apud NELSON, 1995) Desta forma, os conceitos de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade carecem ainda de uma definição largamente aceita e operacional.

Entretanto, é fato que as atividades das empresas têm sofrido maior escrutínio por parte das sociedades ao redor do mundo, seja pelos efeitos negativos que causam no ambiente natural ou nas comunidades em que atuam. O alcance desta crescente visão crítica com relação às empresas (especialmente grande corporações) se torna especialmente crítico em um mundo conectado, onde as informações, verdadeiras ou não, são transmitidas com a rapidez da internet. Desta forma, enquanto os conceitos ligados à sustentabilidade ainda não estão maduros, as pressões sobre as práticas corporativas são reais e crescentes.

Na esteira deste movimento, a literatura sobre o tema ‘desenvolvimento sustentável’ aplicado aos negócios (sustentabilidade) na área de Administração tem crescido enormemente. Surgiram diversas definições para o que seria um conceito operacional de sustentabilidade, que possa ser aplicado à gestão de empresas, de forma que estas possam responder aos desafios lançados às organizações no mundo todo de que precisam rever suas práticas. Questões ligadas a problemas ambientais severos (como, por exemplo, mudanças climáticas, desertificação, poluição) e sociais (como miséria, fome, analfabetismo, mortalidade infantil e materna) amplificam os desafios e por consequência, as pressões por empresas mais responsáveis.

Entre as definições mais citadas na literatura para ‘sustentabilidade’, está o conceito do triple bottom line. Segundo este conceito, uma empresa sustentável é aquela que contribui para o desenvolvimento sustentável ao gerar, simultaneamente, benefícios econômicos, sociais e ambientais, o triple bottom line. (HART, MILSTEIN, 2004). Uma empresa sustentável considera interconectados os seus interesses de negócios e os interesses do ambiente natural e da sociedade. Assim, sustentabilidade é a arte de fazer negócios em um mundo interdependente; significa conduzir os negócios de maneira a causar o menor impacto e dano sobre as criaturas vivas e não causar exaustão no ambiente natural, mas antes, restaurar e enriquecê-lo. Sustentabilidade também significa operar um negócio reconhecendo a necessidade e interesses de outras partes – tais como, grupos da comunidade, instituições educacionais e religiosas, a força de trabalho, o público – e que este reconhecimento não esgarça, mas ao contrário, reforça a rede de relações que mantêm estas diferentes partes unidas. Para isto, a organização deve (i) identificar um espectro largo de partes interessadas a quem a organização deve prestar contas; (ii) desenvolver um relacionamento transparente com elas; e (iii) encontrar caminhos para trabalhar com estas partes interessadas gerando benefício mútuo. Neste contexto, a gestão das relações com os stakeholders ganha contornos estratégicos. No longo prazo, criará mais lucro para a companhia e maior prosperidade social, econômica e ambiental para a sociedade. (SAVITZ; WEBER, 2006)

Entre as pressões sobre as empresas para que adotem estratégias que se traduzam em práticas sustentáveis, ganham importância as políticas públicas e em particular, padrões regulatórios cada vez mais rígidos, em nível global, quanto a aspectos ambientais. Especificamente quanto ao avanço da legislação ambiental, cabe citar Porter e Linde (2000, p. 131-167). Os autores acreditam que exista uma crença generalizada nas organizações de que padrões rígidos de regulações ambientais erodem a competitividade organizacional por aumentarem os custos, causando ou redução de margens ou maiores preços finais para o consumidor. Esta visão sobre o impacto da regulamentação ambiental tem causado certa resistência empresarial em progredir na qualidade ambiental. Entretanto, os autores argumentam que a resposta empresarial a este movimento regulatório pode fomentar inovações que acarretam redução no custo total do produto, principalmente pelo uso mais eficiente dos recursos, melhorando sua produtividade. O ponto crucial está na forma como as empresas enfrentam as demandas ambientais; ainda na maioria dos casos, são vistas apenas como mal necessário, enfrentadas de maneira reativa e incremental. No entanto, há potencial para grandes benefícios quando (i) se repensa o processo produtivo de maneira inovadora e sistêmica e não pontual; (ii) o impacto ambiental é monitorado e avaliado em todas as fases do processo produtivo, com o auxílio de novas tecnologias, e não apenas ao final. Em suma, a existência de legislação ambiental mais rígida ao contrário de inexoravelmente ser um empecilho à competitividade pode tornar-se um fator que, se examinado de maneira sistêmica e inovadora, traz imensos benefícios ao negócio.

Em geral, as organizações enfrentam o seguinte dilema: ou ignoram as crescentes restrições impostas pelas sociedades às suas operações ou adotam uma postura estratégica frente a elas e legitimam suas operações. Ambas resultam em uma opção estratégica que gera reflexos no processo de gestão e que impactam a prosperidade e sobrevivência futura da empresa. Se optar por afastar-se da gestão voltada exclusivamente para a rentabilidade – e passar a considerar as restrições organizadas pela sociedade para suas operações -, a firma perde a clareza (existente, em algum grau, até este momento) quanto aos principais objetivos e meios de alcançá-los. Ao refletir sobre a adoção de uma estratégia de legitimação, a empresa deve reunir três principais elementos: (a) análise dos objetivos, levando-se em conta que devem refletir as aspirações dos stakeholders cujos interesses a empresa quer atender; cabe ressaltar que neste novo modelo estratégico, os gestores encontrarão objetivos antagônicos aos de rentabilidade e valorização do capital; (b) análise das restrições; em oposição ao modelo da livre iniciativa (onde a empresa se opõe a quaisquer restrições para sua atuação), na estratégia de legitimação da empresa, esta deve lidar com as restrições às suas operações, avaliando o impacto real destas restrições e assumindo uma posição estratégica quanto a cada uma das restrições; (c) análise estratégica do campo de poder, avaliando as preferências que os grupos de stakeholders influentes tenderão a defender durante os processos de negociação política. (ANSOFF, McDONNELL, 1993)

Embora os postulados de uma nova doutrina econômica necessária para orientar o capitalismo moderno ainda não estejam absolutamente claros, as demandas das sociedades são reais, representando algum grau de restrição às atividades das empresas. Aquelas que optarem pela estratégia de legitimação (para usar o termo proposto por Ansoff e McDonnell) necessitam de conceitos que orientem suas práticas de gestão para a sustentabilidade

– Mudanças Climáticas

Entre as questões ambientais que estão contempladas no tema do desenvolvimento sustentável, as mudanças climáticas vêm atingindo gradativamente maior grau de urgência. Segundo o Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC, 2007), o termo ‘mudanças climáticas’ refere-se a “mudanças no estado do clima que podem ser identificadas (por exemplo, pelo uso de testes estatísticos) por mudanças nas médias e/ou pela variabilidade de suas propriedades e que persistem por um período extenso, tipicamente décadas ou mais. Refere-se a quaisquer mudanças do clima ao longo do tempo, causada tanto por sua variação natural ou como resultado da ação humana” (p.8). A evidência da ação humana como potencializadora do aquecimento global são contundentes; e entre as causas que agravam o problema, estão a queima de combustíveis fósseis, como carvão, gás e óleo, e o desmatamento. (MARCOVITCH, 2006). O Brasil está entre os trinta maiores emissores de dióxido de carbono (CO2), conforme a figura abaixo:

Figura 1

Trinta maiores emissores de Dióxido de Carbono

pic_1

Fonte: Human Development Report, 2007/2008 (p.69)

No caso brasileiro, a maior contribuição para a pegada de CO2 tem origem nas queimadas e no desmatamento (que respondem por 75% das emissões de CO2) enquanto a queima de combustíveis fósseis responde por 25% das emissões de CO2. (MARCOVITCH, 2006)

– Mudanças climáticas e estratégias empresariais

Os gestores de empresas gerenciam a questão ambiental como uma questão de compliance regulatória, como um potencial passivo (e, portanto, risco), e como mitigação de poluição. Mas as mudanças climáticas representam um tipo diferente de risco para os negócios porque seus impactos (das mudanças climáticas) são globais, têm efeitos de longo prazo e os danos causados são irreversíveis. A ignorância quanto às consequências financeiras e competitivas das mudanças climáticas podem levar as empresas a avaliar inadequadamente o perfil de risco que o aquecimento global representa. Neste ponto, há um papel importante das agências reguladoras ao sinalizar como as políticas públicas voltadas ao meio ambiente podem mudar no futuro. Porém, a gestão voltada para a mitigação de riscos climáticos pode representar um diferencial competitivo, como por exemplo, a atração de investidores que buscam aportar recursos em empresas com gestão de risco mais adequada aos problemas ambientais (orientadas, por exemplo, pelo Carbon Disclosure Project, uma coalização de investidores institucionais que representam mais de US$ 31 trilhões em ativos que organiza informações de multinacionais a respeito de seus padrões de emissões). (LASH, WELLINGTON, 2007)

Os riscos que as mudanças climáticas representam para os negócios são: (i) Risco regulatório, considerando que é incerta a evolução das legislações ambientais no mundo todo a respeito dos níveis de restrições a emissões; a tendência é que se tornem mais restritivas; (ii) Risco de cadeia de suprimento (supply chain): ao analisar o risco de suscetibilidade a regulações mais rígidas, as empresas devem avaliar sua vulnerabilidade para a cadeia de suprimentos, considerando também a distância geográfica de seus principais fornecedores: (iii) Risco tecnológico e de produto: algumas empresas serão mais bem-sucedidas que outras na identificação de produtos e novas oportunidade de mercado em um cenário de baixo carbono; (iv) Risco de litígios: possibilidade de litígios em razão de danos decorrente de irresponsabilidade na gestão ambiental; (v) Risco de reputação; (vi) Riscos físicos, causados por danos aos ativos da organização em razão de crises ambientais como inundações, secas, tempestades, entre outros. (LASH, WELLINGTON, 2007)

Para lidar com as questões decorrentes das mudanças climáticas, as estratégias sugeridas são (LASH, WELLINGTON, 2007; HOFFMAN, WOODY, 2008)

  • Realizar um inventário de emissões para estimar a pegada de carbono (utilizando padrões como o Greenhouse Gas Protocol);
  • Avaliar os riscos (conforme descritos acima) quanto ao grau de exposição ao carbono e identificar oportunidades de negócios relacionados às emissões de carbono;
  • Desenvolver estratégias de negócios que visem a adaptação dos negócios às mudanças climáticas;
  • Estar à frente dos concorrentes nas estratégias para uma economia de baixo carbono;
  • Influenciar o processo de desenvolvimento de políticas públicas.

4. Descrição da empresa e seu ambiente

A Agropalma

O Grupo Agropalma, de capital 100% nacional e controlado pelo Grupo Alfa, conta com o maior e mais moderno complexo agroindustrial do Brasil para o plantio e o processamento de óleo de palma. Detentora de todo o ciclo produtivo – do cultivo da semente à produção do óleo refinado, gorduras vegetais e margarina – a empresa responde por 75% da produção nacional de óleo de palma, sendo que 15% deste volume são exportados para a Europa e os Estados Unidos. Com faturamento anual de cerca de R$ 650 milhões, a Agropalma possui 4.500 funcionários e beneficia indiretamente mais de 21.000 pessoas na região onde atua. Seu Complexo Agroindustrial, onde são realizados o cultivo das palmeiras e a extração de óleo bruto de palma e palmiste, localiza-se nos municípios de Tailândia, Moju, Acará e Tomé-Açú, no Estado do Pará. Já a Refinaria, a Usina de Biodiesel e a Unidade de Acondicionamento de Gorduras estão instaladas em Belém, enquanto o escritório comercial está localizado na cidade de São Paulo. Ao todo, a Agropalma ocupa uma área de cerca de 107 mil hectares, sendo 39 mil hectares destinados ao plantio e à extração e outros 64 mil hectares de reservas florestais monitoradas. Desde sua fundação, a empresa já investiu US$ 250 milhões na região amazônica.

O óleo de palma e o Brasil

O azeite de dendê, ou óleo de palma, é produzido a partir do fruto de uma palmeira conhecida como dendezeiro. Sua importância econômica extrapola seu uso culinário, como é mais conhecido no Brasil, com aplicações também nas indústrias alimentícia, cosmética e química. Ele é utilizado como biocombustível, como base de hidratantes e óleos corporais, sabões, detergentes, frituras de batatas, massa de biscoitos, chocolates, margarinas e gorduras vegetais.

A palma foi introduzida no Brasil no século XVI, com o tráfico negreiro. As sementes transportadas pelos escravos formaram os primeiros dendezais no litoral da Bahia. No Estado do Pará, o Instituto Agronômico do Norte (IAN), antecessor da Embrapa Amazônia Oriental, importou algumas linhagens da África com o objetivo de avaliar a possibilidade do cultivo da palmeira na Amazônia (PANDOLFO, 1981 apud BRITO, 2006).

O cultivo comercial de palma na região começou no final da década de 1960, por meio de um convênio entre a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que posteriormente tornou-se a SUDAM, e o Institut de Recherches Pour Les Huiles et Les Oleagineux (IRHO) da França, que trouxe tecnologia para a primeira experiência de implementação comercial da cultura do dendê. Até meados da década de 1970, todos os projetos com a palma no Pará tinham participação de órgãos do governo. Mas, em 1974, com a criação da Dendê do Pará S.A. (DEMPASA), a iniciativa privada entrou no setor, tornando a atividade mais dinâmica. A partir da década de 1980, as áreas cultivadas começaram a crescer expressivamente, tornando o Pará o maior produtor de óleo de palma do Brasil (EMBRAPA, 1998 apud BRITO, 2006).

Histórico de atuação na Amazônia

A trajetória do Grupo Agropalma é resultado dos planos do governo militar brasileiro de ocupar estrategicamente a Amazônia por meio da exploração econômica da madeira, agropecuária e da mineração. Incentivado por benefícios fiscais da Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e convencido do potencial da cultura da palma na região, o Banco Real (então controlado pelo banqueiro Aloysio de Andrade Faria, hoje dono do Grupo Alfa) fundou, em 1982, a Companhia Real Agroindustrial S.A. (CRAI) no município de Tailândia, no Estado do Pará.

Em 1983, a CRAI iniciou o cultivo de mudas importadas em uma área de aproximadamente 11 mil hectares de florestas e, em 1985, passou a extrair óleo bruto de palma ((O óleo de palma é obtido a partir do cozimento da polpa do fruto, debulhamento e prensagem)) e de palmiste ((O óleo de palmiste é obtido após a quebra e a separação das cascas de amêndoas e processo de prensagem)). A partir daí, e já sem os benefícios fiscais do governo, a empresa adquiriu outras quatro agroindústrias na região também produtoras de óleo de palma, multiplicando assim sua capacidade produtiva. Em 1997, instalou, em Belém, a Companhia Refinadora da Amazônia, responsável por transformar o óleo de palma bruto em óleo refinado com maior valor agregado.

Instalar-se de forma pioneira na região significou para a Agropalma tomar para si a responsabilidade de implementar uma infraestrutura local, como a geração de energia elétrica, abastecimento de água e construção de malha viária e fluvial. Em seu Complexo Agroindustrial, em Tailândia, existem quatro agrovilas com 350 casas e 15 alojamentos onde moram cerca de 2,5 mil pessoas. Nestas agrovilas, a Agropalma criou uma infraestrutura de apoio com clubes recreativos, serviço médico, academia, escola do ensino infantil ao supletivo e até mesmo uma universidade em parceria com a Universidade da Amazônia (UNAMA). A empresa mantém diversos projetos e atividades com o objetivo de promover a qualidade de vida e o bem-estar de seus funcionários, como programas de atividade física, eventos socioculturais, palestras e campanhas educativas, programas de treinamento e desenvolvimento, qualificação e inserção profissional de jovens e prevenção de acidentes de trabalho.

Mesmo vivenciando desde sua criação uma experiência empresarial bem-sucedida, a Agropalma viu-se, cerca de dez anos atrás, diante do desafio de reposicionar-se estrategicamente para manter-se no mercado e até mesmo conquistar novos segmentos. A produção global de óleo de palma cresceu vertiginosamente na última década, saltando de 17 milhões de toneladas em 1998 para 38 milhões de toneladas em 2007. No mesmo período, a produção do óleo de soja subia de 24 milhões de toneladas para 37 milhões, perdendo a primeira colocação para a palma (MPOB, 2009).

Embora a cultura da palma seja totalmente livre de organismos geneticamente modificados, ter a maior produtividade por hectare entre todas as oleaginosas e propiciar o estabelecimento de agroecossistemas estáveis, existem fortes pressões ambientais e conflitos sociais causados pela acelerada expansão do cultivo em florestas tropicais, principalmente no sudeste da Ásia, onde estão os maiores produtores mundiais, Malásia e Indonésia. Sozinhos, estes dois países respondem por 85% do óleo de palma produzido em todo o mundo (MPOB, 2009).

FIGURA 2

EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO MUNDIAL DE ÓLEOS VEGETAIS (mil toneladas)

Oils/Fats

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

Palm Oil

16.920

20.625

21.867

23.984

25.409

28.259

30.987

33.846

37.142

38.246

Palm Kernel Oil

2.191

2.559

2.698

2.947

3.044

3.347

3.581

3.976

4.344

4.397

Soyabean Oil

24.008

24.794

25.563

27.828

29.850

31.241

30.729

33.612

35.278

37.481

Cottonseed Oil

4.059

3.893

3.850

4.052

4.221

3.987

4.367

4.978

4.903

5.119

Groundnut Oil

4.498

4.697

4.539

5.141

5.178

4.508

4.706

4.506

4.382

4.156

Sunflower Oil

8.407

9.308

9.745

8.200

7.610

8.917

9.423

9.785

11.191

10.997

Rapeseed Oil

12.290

13.247

14.502

13.730

13.343

12.698

15.088

16.294

18.510

18.521

Corn Oil

1.874

1.935

1.966

1.962

2.016

2.017

2.025

2.133

2.264

2.337

Coconut Oil

3.153

2.399

3.261

3.499

3.098

3.270

3.040

3.237

3.083

3.033

Olive Oil

2.588

2.475

2.540

2.761

2.773

2.904

3.110

2.965

2.798

2.993

Castor Oil

441

435

497

515

438

425

500

540

535

529

Sesame Oil

709

686

705

747

807

810

831

868

860

863

Linseed Oil

692

734

705

648

581

594

635

626

695

702

Total Vegetable Oils

81.830

87.787

92.438

96.014

98.368

102.977

109.022

117.366

125.985

129.374

Fonte: Oil World Annual (1999-2007) & Oil World Weekly (2007) apud MPOB

No caso do Brasil, não seria diferente sob a ótica do mercado comprador internacional, principalmente o europeu. Apesar de ocupar uma posição tímida no ranking dos produtores mundiais, com apenas 190 mil toneladas produzidas em 2007, a produção de palma no País ocorre em meio à floresta amazônica. Grandes redes varejistas e indústrias alimentícias, em resposta aos anseios e preocupações de seus stakeholders, passaram a criar ou adotar selos, normas e certificações que atestam a produção sustentável de seus fornecedores de óleo de palma. De todos eles, destacam-se os critérios socioambientais da RoundTable on Sustainable Palm Oil (RSPO), organização não governamental criada oficialmente em 2004 pelos integrantes da cadeia produtiva do óleo de palma, inclusive bancos e investidores, como resultado de uma série de rodadas de discussão e negociação iniciada em 2001 pelo World Wide Fund for Nature (WWF).

Habituada a uma cultura empresarial austera, disciplinada e de baixo risco, a Agropalma acompanhou de perto as movimentações do mercado internacional e vivenciou um processo de entendimento e convencimento de que ações socioambientais trazem benefícios e reduções de custo no longo prazo e que, para isso, era preciso preparar-se para este novo cenário competitivo.

Antecipando-se ao mercado, já em 1994, a empresa apostou na agricultura orgânica, reutilizando em parte do palmar todos os subprodutos do processo de extração do óleo de palma bruto, deixando de utilizar insumos químicos no processo. Em 1995, já exportava a primeira carga de óleo bruto para a Alemanha.

De lá para cá, a empresa passou a investir fortemente na melhoria de seu desempenho socioambiental. Já obteve oito certificações relacionadas ao sistema integrado de gestão, à agricultura orgânica e ao comércio justo, e tornou-se signatária do RoundTable on Sustainable Palm Oil (RSPO). Em 2007, criou uma gerência de responsabilidade socioambiental, ligada à diretoria comercial. Segundo a Agropalma, isso demonstra como a sustentabilidade está, de fato, atrelada ao negócio e faz parte do dia a dia da empresa. Além disso, implementou um bem-sucedido programa de agricultura familiar, investiu no desenvolvimento do biodiesel de palma e mantém um programa de levantamento e monitoramento da fauna como parte da iniciativa de proteção das suas reservas florestais.

Outros projetos em andamento são o desenvolvimento da Agenda 21 para as comunidades que vivem no entorno do Complexo Industrial, a realização do inventário de emissões de gases de efeito estufa em parceria com a Petrobras, a elaboração do primeiro relatório socioambiental utilizando as diretrizes da Global Reporting Initiative (GRI) e a auditoria de sua Unidade de Acondicionamento de Gorduras para a certificação em gestão de segurança alimentar.

Sistema Integrado de Gestão e Certificações

O Grupo Agropalma orgulha-se de ser a única empresa no setor de palma no mundo a possuir as certificações ISO 9001, ISO 14001 e OHSAS 18001, que atestam a qualidade de seus produtos e processos e a gestão dos sistemas de proteção ao meio ambiente, saúde e segurança ocupacional. A conquista destes certificados, em 2002, representa para a empresa o reconhecimento da implementação de um Sistema Integrado de Gestão, fruto de um intenso trabalho de mobilização dos funcionários e da aplicação de programas de treinamento e capacitação. Um fator considerado favorável pela empresa nesse processo de engajamento é o fato do seu corpo gerencial, com idade entre 29 e 42 anos, possuir uma mentalidade empresarial diferenciada, aberta às questões socioambientais, como reflexo do maior acesso à educação e dos tempos em que vivemos de preocupação com o futuro do planeta.

Na esteira desse processo, a Agropalma conquistou também importantes certificações para sua linha de produtos orgânicos, o que permitiu o acesso da empresa a mercados internacionais, como Suíça (Bio Suisse), Japão (Japan Agricultural Standard – JAS) e Estados Unidos (National Organic Program of the United States – NOP/USDA). Além dos certificados para a agricultura orgânica propriamente dita, destaca-se a obtenção, em 2008, do Selo EcoSocial, emitido pelo Instituto Biodinâmico (IBD), órgão reconhecido pelo International Federation of Organic Agriculture Movements (IFOAM), instituição internacional que regulamenta a agricultura orgânica. O selo atesta que os produtos são comercializados dentro dos princípios de comércio justo, pois exige a aplicação total do prêmio (valor a mais pago pelos clientes por produtos certificados) em projetos e ações socioambientais previamente aprovados pela entidade certificadora. Em janeiro de 2009, produtos orgânicos com o selo EcoSocial já estavam sendo exportadores para os Estados Unidos. A tonelada de óleo certificado vale de 35 a 40% mais do que o óleo convencional.

Há ainda a disposição da empresa em certificar sua refinadora, em Belém, de acordo com o ISO 22000, que atesta as melhores práticas em Gestão da Segurança Alimentar, a fim de garantir a integridade e a qualidade dos alimentos. Outro teste importante para a gestão será a auditoria da RoundTable on Sustainable Palm Oil (RSPO), prevista para 2009, de acordo com os princípios e critérios socioambientais definidos pelos seus membros.

– Pesquisa & Desenvolvimento e Inovação

O Grupo Agropalma atribui ao Departamento de Controle de Qualidade e Pesquisa e Desenvolvimento, a responsabilidade pelo controle analítico de produtos em desenvolvimento e produtos acabados, bem como o desenvolvimento de novas formulações e tecnologias, além do controle de embalagens, ingredientes e matérias-primas. O Departamento Comercial, em conjunto com o Departamento de Controle de Qualidade e Pesquisa & Desenvolvimento, trabalha com profissionais especializados, responsáveis pelo gerenciamento de informações técnicas e desenvolvimento de produtos específicos de acordo com a exigência do cliente, dispondo de plantas-piloto, laboratório de análises físico-químicas e de análises sensoriais e microbiológicas. (AGROPALMA, 2009).

Apesar desta infraestrutura científica, a empresa avalia como baixo seu montante de investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e considera que inovar neste mercado é muito difícil, dados seus baixos volumes. Ainda assim, acredita em parcerias com universidades e laboratórios para encontrar o que se pode fazer de melhor e de novo com o óleo de palma.

Se, por um lado, o potencial de inovação em novos produtos é baixo, a Agropalma antevê a necessidade de inovação no processo produtivo e, para isso, criou uma nova gerência com essa finalidade. As melhorias estendem-se do melhoramento genético das sementes e produção de mudas-clone à mecanização da produção. O aumento da produtividade (óleo/ha) traria reduções no custo unitário de produção. No entanto, é importante ter em mente que a mudança no processo produtivo, se não for bem conduzido, provocará impactos sociais, pois hoje a maior parte deste processo é realizada manualmente, gerando grande quantidade de empregos diretos por unidade de área.

– Gestão Ambiental

O processo produtivo do Grupo Agropalma caracteriza-se por um grande aproveitamento de resíduos e baixo consumo de insumos externos, como fertilizantes, defensivos agrícolas e combustíveis. O plantio é realizado em áreas já degradadas pelo desmatamento, queimadas e pastagens. Os solos são minerais e os fertilizantes, quando utilizados, priorizam o potássio ao nitrogênio. Soma-se a isso a alta produtividade e a perenidade da cultura da palma, o que lhe imprime as características de um sistema agrícola sustentável (BRITO, 2006). Apesar da monocultura, já foram identificadas mais de 150 espécies de plantas que nascem na cultura de palma. A geração da energia que abastece as atividades da empresa é feita a partir do reaproveitamento das fibras vegetais que, associada ao monitoramento das emissões da frota de veículos e das usinas, contribui para a diminuição no consumo de combustíveis fósseis.

Por este motivo, o tema das mudanças climáticas não é alvo de preocupação para a Agropalma. A empresa estima que o resultado de suas iniciativas já supera em muito as suas emissões remanescentes de gases de efeito estufa (GEE). Esses dados poderão ser confrontados, em breve, no inventário de emissões que a empresa está fazendo em parceria com a Petrobras.

FIGURA 3

Ações de Gestão Ambiental Mantidas pela Agropalma

  • Monitoramento periódico e tratamento dos efluentes líquidos gerados em todas as atividades das indústrias de extração de óleo bruto e da refinaria;

  • Monitoramento periódico da quantidade e qualidade das águas superficiais (rios e igarapés) e subterrâneas (poços de água para consumo humano, industrial e lençóis freáticos) de abrangência do Grupo Agropalma;

  • Utilização de 100% do efluente industrial na adubação orgânica de palma e diagnóstico ambiental da qualidade do solo e de água subterrâneas das áreas de aplicação do efluente orgânico;

  • Controle biológico e mecânico das pragas do dendezeiro, evitando a utilização de defensivos químicos;

  • Monitoramento dos gases de escapamentos dos veículos movidos a diesel;

  • Monitoramento da qualidade do ar das áreas industriais e agrovilas;

  • Monitoramento de emissões de gases de chaminés das usinas de extração, refinaria e produção de biodiesel;

  • Construção de aterro controlado para resíduos não perigosos e domiciliares do Grupo Agropalma e das vilas de entorno;

  • Reciclagem de mais de 60% dos resíduos sólidos gerados em todas as atividades;

  • Reaproveitamento de fibras vegetais e cascas de nozes na geração de energia, contribuindo na redução de consumo de combustível fóssil;

  • Aproveitamento de 100% das cinzas de caldeira, cachos vazios, torta de palmiste e borra de dendê na adubação orgânica;

  • Vigilância fronteiriça das reservas florestais;

  • Reflorestamento de mais de 12,5 mil hectares de áreas degradadas;

  • Preservação de todas as matas ciliares que protegem os cursos d’água;

  • Planos de emergências ambientais estendidos a todas as áreas, incluindo treinamentos e simulados periódicos.

Fonte: Agropalma

O controle de emissões da Agropalma também pode ser verificado no seu Programa de Proteção das Reservas Florestais. Trata-se de uma iniciativa de vigilância de todas as áreas de reserva natural mantidas pela empresa, cerca de 64 mil hectares, coibindo a caça de espécies nativas e a derrubada de árvores, principalmente para carvoarias. Segundo estimativas da Agropalma, essas reservas contam com o triplo do número de fiscais verificado nos parques nacionais mais protegidos, como é o caso do Parque Nacional do Iguaçu.

Atrelada à iniciativa de fiscalização das reservas, a Agropalma deu início, em 2004, ao Programa de Levantamento e Monitoramento da fauna em suas reservas florestais, em parceria com a ONG Conservação Internacional. O trabalho resultou na identificação de mais de 480 espécies, mamíferos, anfíbios e répteis, algumas delas raras ou ameaçadas de extinção. Proteger a biodiversidade neste local torna-se ainda mais relevante quando se analisa o contexto amazônico. A região de atuação da Agropalma, no nordeste do Pará, próxima ao Maranhão, localiza-se no chamado Arco do Desmatamento, onde apenas 23% da floresta permanecem em pé, justificando assim o fato de ser dali o grande número de espécies em extinção presentes na Lista Vermelha do Pará, de acordo com pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi e da Conservação Internacional (Terra da Gente). O município de Tailândia (PA) passou a figurar em 2009 também na lista das 16 cidades do Pará que são alvo da Operação Arco Verde, um plano de ação do governo federal que pretende prevenir e controlar o desmatamento na região amazônica.

Ainda dentre as atividades da gestão ambiental da Agropalma, destaca-se o desenvolvimento e a produção do “palmdiesel”, um combustível feito a partir dos ácidos graxos gerados no processo de refino do óleo de palma. A pesquisa para chegar à reação química deste biodiesel foi possível graças a uma parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Já a produção em escala industrial é resultado de uma parceria com a Dedine S/A Indústrias de Base. A usina de “palmdiesel” da Agropalma foi instalada em 2005, em Belém, próxima à refinaria, com capacidade de 10 mil toneladas por ano.

De fato, a proposta inicial da Agropalma era substituir totalmente o diesel convencional utilizado em seus tratores, veículos e demais equipamentos pelo diesel de palma. No entanto, estes equipamentos não teriam garantia de fábrica assegurada pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), pois seus motores não estão adaptados para receber um combustível com percentual maior que 3% de biodiesel, conforme a regulamentação vigente. Deste modo, a Agropalma optou por comercializar o “palmdiesel” por meio dos leilões promovidos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A empresa acredita que desta maneira também está contribuindo para a diminuição no consumo de combustíveis fósseis.

Outro ponto a salientar ainda em relação ao “palmdiesel” foi a tentativa da Agropalma de ingressar no mercado de créditos de carbono por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). O projeto consistia na utilização de uma caldeira para queima da biomassa formada por fibras e outros resíduos resultantes do processo produtivo. Mas a instabilidade das regras e as incertezas quanto ao futuro do mercado de carbono obrigaram a empresa a desistir de comercializar seus créditos. Apesar dos percalços, o projeto de biomassa foi implementado mesmo assim.

– Gestão Social

Para a Agropalma, integrar e capacitar as comunidades locais para interagir com os negócios da empresa contribui para a diminuição dos distúrbios sociais e ambientais na região onde ela está inserida. A tarefa não é fácil, e está intimamente ligada à necessidade de educação, informação e integração econômica de pessoas que nasceram e cresceram acostumadas a derrubar a floresta para sobreviver. Para piorar o cenário, o poder público está ausente na região, que carece de infraestrutura de saneamento básico, fontes de renda, educação, segurança e saúde.

A área geográfica de atuação da Agropalma é conhecida como o Centro de Endemismo de Belém, que registra a mais antiga ocupação humana da Amazônia brasileira. No século XVII, os portugueses, interessados em defender a região das invasões de ingleses, franceses e holandeses, fundaram, em 1616, o forte que daria origem à cidade de Belém e iniciam seu povoamento. Os colonos passaram a plantar cana-de-açúcar, algodão e tabaco e organizar expedições rumo ao interior. Produtos da floresta, como canela, madeira e cacau, eram ofertados na Europa pelo Marquês de Pombal. Após um período de decadência no século XIX, Belém moderniza-se entre 1890 e 1911 graças ao impulso econômico do ciclo da borracha, recebendo milhares de migrantes nordestinos. No entanto, a partir de 1912, sofre novo período de recuo, devido à concorrência com os fornecedores asiáticos. A região volta-se novamente ao extrativismo, à agricultura de subsistência e à pecuária. A partir de 1964, vive o boom da mineração e de grandes projetos madeireiros e agropecuários (ÉPOCA NEGÓCIOS, 2009).

Com todas essas idas e vindas, a região encontra-se hoje nos mais diversos estágios de degradação ambiental. Ao mesmo tempo, a retirada predatória de madeira abre espaço para a agropecuária feita de forma insustentável, produzindo um rastro de municípios falidos e perpetuando a pobreza na região. (PÁGINA 22, 2007).

– Programa de Agricultura Familiar do Dendê

A primeira atitude da Agropalma para o enfrentamento desta realidade foi o desenvolvimento do bem-sucedido Programa de Agricultura Familiar do Dendê, que integrou 185 famílias de pequenos produtores rurais do município paraense de Moju à cadeia de fornecimento da Agropalma.

Tudo começou em 2002, resultado de uma parceria com a prefeitura, o governo do Estado do Pará e o Banco da Amazônia (BASA). As famílias selecionadas pela prefeitura receberam um lote de dez hectares, com direitos de propriedade regularizados, doados pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa). As máquinas e equipamentos agrícolas, mudas de plantas e as técnicas para o cultivo da palma foram propiciados pela Agropalma, que também se comprometeu a comprar toda a produção dos pequenos agricultores, a preço de mercado, com contratos de 25 anos. Como as palmeiras levariam cerca de três anos para começar a produzir, o Banco da Amazônia canalizou recursos do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e concedeu um empréstimo mensal equivalente a um salário mínimo, com juros abaixo do mercado, para a manutenção da família no período e a aquisição de insumos para a lavoura.

Antes de tornarem-se fornecedores da Agropalma, estas famílias sobreviviam com cerca de R$ 60,00 mensais obtidos com a venda de farinha, frutas e carvão, exercendo pressão sobre o meio ambiente. Hoje, a estimativa é de que cada família gere uma renda média mensal contínua que varia de R$ 750 mensais (no início da produção) a R$ 1,7 mil mensais (quando a palmeira atinge seu auge), a partir de um cultivo perene, realizado em áreas degradadas, e com preservação de quatro hectares de floresta para cada hectare cultivado com palma.

Para a Agropalma, além dos benefícios diretos de redução de despesas com investimentos e imobilização de capital, aumento da produção e garantia de compra de matéria-prima com qualidade, o projeto demonstra que é possível incorporar a agricultura familiar em cultivos antes apenas possíveis em plantios intensivos. O grande desafio é transpor gradualmente os padrões culturais dos pequenos agricultores, através de informação e diálogo constantes, pois estão acostumados ao extrativismo e à cultura de subsistência e que agora devem adotar técnicas de plantio mais sofisticadas. Outra barreira a ser vencida é a falta de comprometimento da esfera pública que, no caso do Programa do Dendê, esbarrou no desrespeito às contrapartidas nos investimentos em infraestrutura na região e às restrições impostas à regularização da propriedade das terras nos assentamentos. Para evitar a descontinuidade do projeto e comprometer os resultados, a Agropalma arcou com uma parcela do investimento que seria de responsabilidade de outros parceiros (FISCHER, BOSE, BORBA, 2006).

– Sustentabilidade das comunidades locais

Criar novos caminhos para o relacionamento entre o homem e o meio ambiente em um contexto de alta biodiversidade sob pressão humana não é tarefa das mais fáceis. Por isso, a Agropalma buscou, em 2007, parceiros estratégicos e experientes para aprimorar sua atuação socioambiental e “a construção de um cenário mais justo e sustentável das empresas do Grupo”. Com um investimento de R$ 400 mil, a empresa aliou-se às organizações não governamentais (ONGs) Conservação Internacional e Instituto Peabiru, cujo programa de trabalho consiste no diagnóstico social e ambiental e na implementação de projetos de sustentabilidade em 22 comunidades localizadas no entorno da empresa nos municípios paraenses de Acará, Tailândia, Moju e Tomé-Açu, com potencial de beneficiar quatro mil pessoas. Cada comunidade terá projetos específicos de acordo com a realidade local. Em dez dessas comunidades, o trabalho será aprofundado, como é o caso de Vila dos Palmares, Arauaí e Soledade. A Vila dos Palmares, em Tailândia, apresenta um dos piores índices de desenvolvimento humano da região:

“Às margens de uma rodovia esburacada no interior do Pará, a 220 km de Belém, um vilarejo de 5 mil habitantes é o cenário perfeito para um daqueles filmes nacionais que exploram a temática da miséria. A Vila dos Palmares, como é chamado, ganhou o aspecto de uma autêntica favela plantada no meio da Amazônia. Nos cortiços, em vez de banheiros, há fossas no chão. O esgoto passeia a céu aberto por ruas sem asfalto. Na estrada ao lado, a PA-150, caminhões sem condição mínima de segurança circulam com carregamento ilegal de madeira surrupiada da floresta (…) Os problemas sociais espalham-se (…) Recorrente em grande parte dos municípios do Norte do País, a prostituição infantil é um flagelo também em Vila dos Palmares, que funciona como ponto de descanso de viajantes e caminhoneiros que transportam madeira ilegal. O povoado conta com 85 bares – e só quatro escolas”. (ÉPOCA NEGÓCIOS, 2009)

As metas iniciais são fortalecer a cidadania dos moradores dessas comunidades por meio da implementação da Agenda 21 Local ((A Agenda 21 Local é o processo de planejamento participativo de um determinado território que envolve a implantação, ali, de um Fórum de Agenda 21. Composto por governo e sociedade civil, o Fórum é responsável pela construção de um Plano Local de Desenvolvimento Sustentável, que estrutura as prioridades locais por meio de projetos e ações de curto, médio e longo prazos. No Fórum são também definidos os meios de implementação e as responsabilidades do governo e dos demais setores da sociedade local na implementação, acompanhamento e revisão desses projetos e ações. (MMA, 2009))) e da reivindicação, junto ao poder público, de infraestrutura mínima que sirva de base para os planos de desenvolvimento local. No futuro, o objetivo da Agropalma é divulgar as práticas sustentáveis adotadas como forma de replicá-las para outras regiões da Amazônia.

5. Análises

Nas estratégias e práticas da Agropalma, foi observada pontos de convergência com a literatura pesquisada. A figura abaixo ilustra os principais pontos da literatura mencionados neste artigo:

Figura 4

pic_4

Principais conceitos abordados na revisão da literatura

Fonte: elaboração própria

Para cada um dos pontos da literatura numerados acima e segundo o contexto estratégico da organização, foram identificadas as principais práticas observadas na Agropalma, conforme ilustra a figura abaixo:

Figura 5

Diálogo entre práticas observadas na Agropalma e bibliografia

Literatura

Práticas observadas

1. Análise dos objetivos da organização integrando os interesses dos stakeholders

2. Análise das restrições às operações da empresa e desenvolvimento de estratégias de resposta

3. Análise estratégica do campo de poder dos diferentes grupos de stakeholders

6. Geração de benefícios mútuos (empresa + stakeholders)

  • Desenvolvimento da Agenda 21 para as comunidades que vivem no entorno do Complexo Industrial

  • Programa de Proteção das Reservas Florestais – Parceria com a Conservação Internacional para monitoramento da fauna

  • Signatário do RSPO

  • Certificação (8)

  • Diagnóstico da realidade local em 22 comunidades

  • Gestão Social estratégica por reduzir conflitos na região

  • Programa de Agricultura Familiar do Dendê (geração de trabalho e renda)

4. Busca de benefícios econômicos, sociais e ambientais

  • Diagnóstico da realidade local em 22 comunidades

  • Gestão Social estratégica por reduzir conflitos na região

  • Programa de Agricultura Familiar do Dendê (geração de trabalho e renda)

  • Desenvolvimento da Agenda 21 para as comunidades que vivem no entorno do Complexo Industrial

  • Programa de Proteção das Reservas Florestais – Parceria com a Conservação Internacional para monitoramento da fauna

  • Signatário do Roundtable Sustainable Palm Oil

  • Certificação (8)

  • Agricultura orgânica (certificada)

  • Criação de uma gerência de Responsabilidade Social Corporativa ligada à diretoria comercial

Práticas ambientais

  • ISO 9001, ISO 14001 e OHSAS 18001

  • Sistema de Gestão Ambiental, com metas bem definidas e indicadores biológicos e sociais

  • Pretende dar maior foco a Pesquisa & Desenvolvimento para melhoramento ambiental

Práticas econômicas

  • Foco na competitividade

  • Ida para a região impulsionada por incentivos econômicos do governo militar

5. Prestação de contas aos stakeholders

  • Signatário do Roundtable Sustainable Palm Oil Certificação (8)

  • Criação de uma gerência de Responsabilidade Social Corporativa ligada à diretoria comercial

  • ISO 9001, ISO 14001 e OHSAS 18001

  • Relatório Global Reporting Initiative

7. Realizar inventário de emissões

8. Avaliar os riscos quanto ao grau de exposição ao carbono

9. Desenvolver estratégias adaptativas

  • Realização de inventário em conjunto com a Petrobras

  • Palmdiesel

  • Autogeração de energia elétrica

10. Estar à frente dos concorrentes

11. Influenciar o processo de desenvolvimento de políticas públicas

Não identificadas na pesquisa

Para as estratégias relacionadas às mudanças climáticas de estar à frente dos concorrentes e de influenciar o processo de desenvolvimento de políticas públicas, não foram observadas práticas correspondentes na Agropalma.

6. Conclusões

Apesar de preferir não tratar a questão das mudanças climáticas como uma preocupação, o Grupo Agropalma mantém uma relação positiva entre sua atividade empresarial e as demandas globais por redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). A gestão socioambiental é tida como central para a competitividade e longevidade dos negócios, e encontra eco no mercado consumidor internacional, que se mobiliza cada vez mais para adquirir produtos sustentáveis. Esta relativa “tranquilidade” em relação às causas do aquecimento global justifica-se pela convicção da empresa de que a soma de suas iniciativas geram um saldo positivo no inventário de emissões da empresa.

Este posicionamento é especialmente importante quando se considera que a atuação da empresa dá-se na região amazônica, cujos desmatamentos e queimadas respondem por grande parte das emissões de GGE do inventário brasileiro. Do cultivo de uma cultura tida como exótica para a região, com incentivos diretos do governo da época para a derrubada da floresta, a Agropalma foi capaz de rever sua estratégia para alcançar o triple bottom-line.

Do ponto de vista ambiental, a utilização de solos já degradados aponta para um caminho econômico e ambiental para a floresta. Já haveria áreas degradadas ou em degradação suficientes para comportar alternativas econômicas como a agricultura, a pecuária intensiva e o cultivo de madeira de reflorestamento. Nesse sentido, o Ministério da Agricultura pretende ocupar ao menos 1 milhão de hectares de zonas degradadas com o plantio do dendê, para abastecer o mercado alimentício e a crescente demanda por biodiesel (O LIBERAL, 2009). Castanha-do-pará e açaí são também exemplos de culturas perenes que poderiam ser produzidas nestas áreas.

Estes projetos, no entanto, esbarram na necessidade proeminente de regularização fundiária e da implementação de um zoneamento ecológico-econômico da Amazônia, definindo-se quais atividades podem e devem ser desenvolvidas em cada porção da floresta. Afinal, é preciso sempre lembrar que não existe uma só Amazônia e uma só solução para ela. Existem, simultaneamente, a floresta degradada, a floresta sob pressão e a floresta intacta rica em biodiversidade.

É fundamental a integração plena das questões sociais às soluções para a floresta. O sistema econômico e legal vigente incentiva o desmatamento, pois não há valor em manter a “floresta em pé”. A população da região, que responde por 12% dos habitantes do País, não vê alternativa de sobrevivência a não ser derrubar árvores para madeireiras e carvoarias, queimar o que restou para formar pastagens ou um cultivo de subsistência, ou ainda caçar e coletar aleatoriamente espécies da biodiversidade.

Para empresas como a Agropalma, que mantém mais de 60 mil hectares de áreas protegidas, manter a floresta é um ônus e uma vitória diária. Novos mecanismos internacionais que remunerem os serviços ambientais de proteção da floresta são esperados e bem-vindos como uma alternativa econômica para as comunidades locais. Ao mesmo tempo, o sucesso do programa de agricultura familiar liderado pela empresa demonstra que é possível inserir o pequeno produtor rural em uma atividade econômica sustentável.

Ainda assim, a empresa é rodeada por comunidades com baixos índices de desenvolvimento humano (IDH). Para atuar nesse cenário de miséria, a empresa tomou a iniciativa de diagnosticar os problemas locais para propor soluções de curto, médio e longo prazos junto a outros atores da sociedade civil.

Assim, o papel do Estado também emerge como fundamental nesta análise. Se, por um lado, o desenvolvimento econômico do passado deu-se graças aos incentivos para derrubada da floresta, de agora em diante eles devem mover-se no sentido do desenvolvimento sustentável da região. Trata-se não somente da melhoria da infraestrutura e logística, como também investimentos em educação, saúde e saneamento básico para o fortalecimento da cidadania das comunidades que vivem na região. Políticas públicas de incentivo ao empreendedorismo e benefícios fiscais que valorizem os produtos da floresta também fazem parte da solução. Além disso, o orçamento de ciência e tecnologia de apenas 3% do montante nacional não condiz com as potencialidades a serem exploradas na Amazônia.

Por fim, é importante frisar o poder do consumidor na definição das estratégias das empresas. Se o reposicionamento da Agropalma foi motivado pela manutenção de seu mercado e a conquista de novos segmentos, o mesmo pode e deve acontecer com relação às demais empresas que atuam na Amazônia ou mesmo fora dela. Os movimentos pelo consumo consciente e o imperativo de uma nova economia “verde”, baseada em baixas emissões de GEE, estão aí para impor novos desafios ao mundo empresarial.

Portanto, o caso do Agropalma ilustra a importância da gestão para a sustentabilidade como estratégia para legitimação da “licença para operar”. Este aspecto torna-se ainda mais relevante para o caso de uma empresa com operações altamente dependentes de recursos ambientais e inseridas em contextos sociais de fragilidade. Porém, o desenvolvimento sustentável transcende a gestão empresarial e sua efetiva concretização depende fortemente da convergência das estratégias e práticas organizacionais, com uma sociedade mundial sensível e atuante para a causa e um poder público voltado para a formulação de políticas públicas que fomentem a sustentabilidade e assegurem o cumprimento da lei.

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Estudo de Caso: Grupo Orsa

Resumo

Os desafios colocados pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE), o aquecimento global e outros temas relacionados às mudanças climáticas, evidenciam a urgência da tomada de ações mitigadoras em nível mundial. Tais desafios também impactam o âmbito das corporações que, cada vez mais, se vêem impelidas a buscar formas de incorporar às suas estratégias de negócios questões como a sustentabilidade, a preocupação com as mudanças climáticas e ações voltadas à redução das emissões. Este trabalho constitui um estudo exploratório sobre ações empresariais estratégicas na região da Amazônia brasileira, com destaque para as iniciativas voltadas à sustentabilidade e à redução das emissões de GEE. A escolha da Amazônia se justifica pela riqueza de sua biodiversidade, pela grandeza de sua extensão territorial e por seu grande potencial para contribuir com a redução de emissões. A corporação escolhida para o estudo de caso foi o Grupo Orsa, que tem unidades produtivas na Amazônia e incorpora ao seu modo de fazer negócios o uso sustentável da floresta e o respeito às comunidades locais, praticando o manejo florestal sustentável, a preservação de áreas florestais nativas, além de promover diversas ações sociais voltadas ao aprimoramento da qualidade de vida da população local, inclusive incentivando a geração de renda a partir de produtos não madeireiros.

Abstract

The challenge of the increase in greenhouse effect gases (GEG) concentration, the current state of knowledge of this phenomenon and other facts related to climate change warn us on the emergency in implementing global actions. This has an impact on the economic sphere. Nowadays, companies have to find new strategies in order to adapt their businesses to this new environment, and include new considerations into their strategy such as sustainability, climate change orientation and reduction of GEG emission. This study focuses on business strategic actions in the Amazonian area in Brazil aiming at sustainable practices and reduction of GEG emissions. The choice for Amazonia is justified by the risks for its biodiversity, the dimension of its territory and its great potential for contributing to the reduction of greenhouse effect gases emissions. In this article, we focus the Grupo Orsa. This company has several unities of production in Amazonia and has developed its business in the respectful use of the forest and natural resources. They develop a sustainable forest management, protecting the native forests and extracting the trees in a responsible way. They are also particularly involved in favor of the local population promoting social actions for the improvement of life quality in that area, and transmitting them knowledge for the administration of their non woody products.

1. Introdução e justificativa

1.1. A região Amazônica

A Amazônia está em uma área que compreende uma superfície aproximada de 5.217.423 Km², representando 61% do território brasileiro e abrangendo mais de 2/3 das fronteiras terrestres do país. Segundo estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA, 2005, p.201) a Amazônia Legal abrange os estados da macrorregião Norte (Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), o estado do Mato Grosso (macrorregião Centro-Oeste) e parte do Maranhão (macrorregião Nordeste).
A designação Amazônia Legal é fruto de um conceito político e não de um imperativo geográfico, pois foi criada para fins de planejamento econômico da região.
O IPEA calcula que toda região da Amazônia sul-americana equivale a 1/20 da superfície da Terra, possui 1/5 de toda a água doce e 1/3 das florestas tropicais do globo, sendo que 63,4% de sua área estão sob soberania brasileira. Em contrapartida, abriga apenas 3,5 milésimos da população mundial.\Por sua grandeza territorial e tamanhas riquezas naturais, a Amazônia brasileira adquiriu um novo significado no contexto da revalorização da natureza e da tomada de consciência sobre as ameaças do aquecimento global, ganhando visibilidade internacional e, tornando-se foco de interesses múltiplos e conflitantes. Segundo os pesquisadores do IPEA, no estudo acima referido, tais interesses devem ser administrados para que se possa conceber e implementar um novo modo de produção e de uso do seu patrimônio natural, capaz de promover o desenvolvimento e garantir a soberania brasileira sobre a região. (IPEA, 2005)
Associada ao problema de conflito de interesses, acima descrito, está a questão da diminuição do papel dos governos nas sociedades ocidentais modernas em favor de um maior espaço para o livre mercado. Assim, se por um lado os agentes da iniciativa privada podem atuar livremente de acordo com seus interesses, sem as restrições outrora impostas pelo intervencionismo estatal, por outro lado, se vêem obrigados a assumir uma série de responsabilidades, que advêm da ausência da atuação dos governos. As empresas passam a ter de responder às necessidades dos cidadãos, atuando como verdadeiros agentes de desenvolvimento e fortalecendo a chamada responsabilidade social corporativa.
Nesse contexto, é de se imaginar que todo e qualquer empreendimento que exista na Amazônia, ou que pretenda se instalar na região, deva implementar ações voltadas ao desenvolvimento social.

Além da questão social, em atividades econômicas que atuam em regiões de florestas nativas, as discussões sobre a sustentabilidade devem necessariamente considerar a necessidade de mecanismos de reinvestimentos compensatórios na área de meio ambiente, naqueles pontos mais afetados (MEDEIROS, 1994, p. 241)

1.2. Justificativa

Os desafios colocados pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE), o aquecimento global e outros temas relacionados, sob a denominação de mudanças climáticas, tornam de extrema importância a discussão ampla e participativa em todas as esferas da sociedade e principalmente na academia
Isto se torna ainda mais relevante, quando se trata de um país que possui a maior riqueza em estoque de carbono devido à presença de abundantes florestas e que, ao mesmo tempo, registra um percentual de emissões de GEE da ordem de 75%, causadas pelo desmatamento e queimadas de mata nativa da floresta amazônica.
Segundo estudo do IPEA, a Amazônia é um dos três grandes eldorados naturais contemporâneos. Os outros dois, os Fundos Marinhos e a Antártida, são espaços não regulamentados juridicamente e partilhados entre as potências.

Desta forma, para que seja possível garantir a soberania da Amazônia brasileira e preservar a riqueza de biodiversidade que lá se encontra, acredita-se necessário estudar processos que contribuam para o desenvolvimento da região (econômico, social e ambiental) e para promover a divulgação e a publicação de tais estudos.
Este trabalho se justifica tendo em vista a atualidade e a relevância do tema até aqui exposto. Embora este não tenha a pretensão ou mesmo a possibilidade de ser um estudo exaustivo, acredita-se que, como estudo de caso possa agregar muito a tomadores de decisão, tanto na esfera pública quanto na privada. Espera-se também que traga elementos úteis para possibilitar avanços de possíveis trabalhos futuros.

Corroborando este pensamento, Brüseke (1994, p.14) afirma que:

“o contraste entre teoria e empiria nos trabalhos mais recentes sobre a Amazônia não vem por acaso; ele é a expressão do movimento de procura de explicações que as teorias conhecidas não mais fornecem. Qual é a contribuição da teoria de dependência para o entendimento da destruição da floresta tropical? Este problema, junto com a desestruturação socioeconômica, são, nessa grandeza, problemas novos e integrados em estruturas dinâmicas com uma complexidade crescente, que as teorias conhecidas não mais alcançam.”

2. Objetivos do artigo

O principal objetivo do artigo é fazer uma análise exploratória das estratégias empresariais do Grupo Orsa com relação a contribuições para sustentabilidade na Amazônia, enfatizando-se iniciativas que favoreçam a redução de gases de efeito estufa (GEE).

Os objetivos específicos da pesquisa são:

  • Compreender as visões, valores e funcionamento do Grupo com relação à sustentabilidade.
  • Compreender porque Amazônia representa uma oportunidade para o Grupo (recursos naturais, preços de desenvolvimento e de produção) e como foi o início da atuação do grupo na região.
  • Compreender como o grupo consegue conciliar sustentabilidade e resultados financeiros positivos, sendo competitivo e mantendo ações sustentáveis, ainda que esta postura implique em aumento dos custos de produção.
  • Verificar a aderência das ações e valores do grupo com relação aos conceitos de sustentabilidade e Triple Bottom Line.
  • Verificar a real contribuição da empresa para a redução das emissões de GEE (MDL, Voluntário ou REED) e para o desenvolvimento humano da região.
  • Determinar os desafios enfrentados pela empresa com relação às particularidades de Amazônia.

3. Referencial Teórico

3.1. Desenvolvimento sustentável e a responsabilidade social corporativa

O termo “desenvolvimento sustentável” ganhou atenção mundial em 1987, com o “Bruntland Report: Our Common Future” apresentado pela ONU. Este conceito, cada vez mais em voga nos dias de hoje, foi apresentado como sendo “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades” (BRUNDTLAND REPORT, 1987).

Dessa forma, ao pensar na aplicação desse conceito às empresas deve-se buscar a convergência entre o lucro e o bem comum. O investidor precisa garantir que terá retornos satisfatórios, mas deve estar atento aos interesses de todos os stakeholders envolvidos em sua atividade. Para Savitz, é necessário “refletir sobre a sustentabilidade como território compartilhado pelos interesses da empresa (os dos stakeholders financeiros) e pelos interesses do público (os dos stakeholders não financeiros)” (SAVITZ, 2007).

Outro conceito que ganhou força no dia a dia das empresas e nos meios acadêmicos é o de Responsabilidade Social Corporativa. Este conceito tem implícito um questionamento sobre o papel ético das empresas. Argumenta-se que as empresas devem devolver à sociedade benefícios que possam compensar eventuais externalidades negativas advindas de sua atuação. Portanto o conceito está relacionado com a extensão do papel das empresas para além de objetivos meramente econômicos.

Para começar a pensar em responsabilidade social de maneira estratégica, o primeiro passo é olhar a cadeia de valor da empresa e descobrir que aspectos sociais e ambientais sofrem maior impacto de suas atividades.

Conforme foi descrito na introdução deste trabalho, uma parte significativa das sociedades está passando por um processo de diminuição da atuação dos governos, que não apenas deixam de interferir na esfera econômica como acabam por transferir responsabilidades sociais e de cidadania para a iniciativa privada.
Embora seja verdade que os projetos sociais são atrativos para o marketing das empresas, eles estão fortemente relacionados com a postura ética das empresas perante seus stakeholders (funcionários, acionistas, clientes, fornecedores, comunidades, governo, sociedade). Justamente neste aspecto é que se diferenciam as empresas éticas, cuja postura é de compromisso com seus stakeholders, e aquelas que apenas mantêm um discurso vazio para fins de promoção de sua imagem.

De toda forma, a responsabilidade social possibilita pelo menos dois benefícios às empresas: a) diminui consideravelmente os questionamentos e dúvidas quanto à sua postura ética; e, b) possibilita se diferenciar no mercado competitivamente em função de ações sociais e, por conseguinte, almejar retornos financeiros. Tais benefícios certamente estão entre aqueles que movimentam a grande difusão das práticas de responsabilidade social nas empresas. (MENDES; VIEIRA; CHAVES, 2006)
As mudanças das expectativas da sociedade estão colocando novos desafios para os líderes de empresas e por consequência, estão mudando a natureza dos negócios e as relações sociais. (COLBERT; KURUCZ, 2007).

Machado Filho (2004) argumenta que “a ideia básica da responsabilidade social corporativa é que a atividade de negócios e a sociedade são entidades interligadas e não distintas. Portanto, a sociedade tem certas expectativas em relação ao comportamento e resultados das atividades de negócios”.

3.2 Triple Bottom Line (tripé da sustentabilidade)

Em 1994, John Elkington cunhou o termo “Triple Bottom Line”, o que significa que o sucesso da estratégia de uma empresa só é alcançado se houver um equilíbrio entre prosperidade econômica, qualidade ambiental e justiça social.

Este termo representa um novo paradigma para as empresas. Segundo esta visão, somente a empresa que pensar nestes três aspectos conseguirá subsistir no mercado competitivo.
Segundo Colbert e Kurucz (2007), as empresas estão dando cada vez mais ênfase no andamento de sua “sustentabilidade”, o que implica um foco simultâneo no desempenho econômico, social e ambiental.

Caminhar em direção ao tripé da sustentabilidade requer uma revolução nos negócios em pensar e agir em sete dimensões (“thinking in 7D”), sendo elas: mercado, valores, transparência, ciclo de vida tecnológico, parcerias, perspectiva de tempo e governança corporativa (ELKINGTON, 2001).

A noção de Sustentabilidade, com todas as controvérsias que ela possa conter e as atitudes que dela derivam, faz com que as empresas da atualidade não possam mais ignorar a necessidade de se posicionar sobre o tema. Sobretudo no caso das empresas que lidam diretamente com recursos naturais/ ambientais tudo que se refere à sustentabilidade passa a ter importância central.

3.3. Problemática da Amazônia

A região da Amazônia apresenta grande diversidade, não só ambiental (vegetal e animal) como sociocultural. Ela possui complexidades do micro ao macro, isto é, desde questões ligadas ao desenvolvimento social, inclusão das comunidades que extraem seu sustento da floresta, consciência ambiental do valor da floresta em pé, até questões globais ligadas ao relacionamento entre países de territórios vizinhos, bem como compromissos assumidos perante acordo entre países.

Pasquis (2003, p.1) reforça essa ideia ao afirmar que “esta região continente não é uma região homogênea e uniforme, mas sim um mosaico de ambientes e sociedades, dispostos um ao lado do outro”.

Apesar de muito heterogênea, a região amazônica apresenta alguns aspectos que a caracterizam, como por exemplo, ter clima quente e úmido, solo bastante pobre, com fina camada de nutrientes, grande parte dos animais viverem em copas de árvores, não ocorrendo animais de grande porte. Todos esses aspectos mostram o grau de especificidade ao se discutir os efeitos do desmatamento.

O desmatamento da floresta amazônica constitui um problema que ganha relevância internacional no contexto da preocupação com as emissões de GEE. No caso do Brasil, cujas emissões ficam em torno de 5% das emissões mundiais, grande parte é causada pelo desmatamento florestal.

Marcovitch (2006, p. 80) destaca o peso dos três mais conhecidos fatores de devastação da floresta amazônica: o avanço da soja, ação de madeireiros/ garimpeiros e grilagem de terras.
Os impactos ambientais do desmatamento de matas nativas e dos possíveis usos da madeira para produção industrial são elencados por Medeiros (1994):
A exposição do solo com as operações de desmatamento em florestas nativas e o preparo de solo para as florestas plantadas potencializam em grande escala a erosão hídrica e eólica, com significativa perda de nutrientes e do próprio solo.

A destruição das matas nativas piora as condições de vida das populações locais, pela eliminação das atividades extrativas de alimentos e matérias-primas nativas, não cria as condições para a absorção do excedente de mão de obra gerado, contribuindo para o êxodo rural e a favelização nos grandes centros urbanos.
A exploração de matas nativas em bases não sustentáveis provoca inexoravelmente uma depleção no capital natural representado pelo recurso natural finito floresta nativa.
A remoção da cobertura vegetal natural altera o estoque de Carbono imobilizado na biomassa vegetal, podendo acarretar um incremento líquido na quantidade de CO2 atmosférico, contribuindo para o aumento do efeito estufa global.

A floresta de eucalipto pode reduzir significativamente a produção de água de uma bacia hidrográfica, principalmente naquelas áreas de cobertura vegetal menos densa, como é o caso dos cerrados e campos.

A utilização de carvão vegetal nas usinas siderúrgicas provoca a geração e emissão de poluentes, tais como CO2, CO, particulados e deposição de pós e sólidos tais como escória e finos de carvão.

Além destes impactos, Marcovitch (2006, p.82) lembra que alguns cientistas levantam a suspeita de que possa estar ocorrendo um desmatamento seletivo da Floresta Amazônica. Trata-se de um tipo de corte que não atinge a floresta em bloco, atingindo apenas árvores nobres. Isto tornaria a devastação menos visível pelos satélites e aparelhos de sensoriamento remoto e, portanto, maior. No entanto, esta hipótese não ficou provada.

Tendo em vista as já mencionadas especificidades da Amazônia, em vários âmbitos (desde as riquezas naturais até os problemas sociais), as empresas que decidam atuar nesta região deverão estar cientes dessas especificidades e considerá-las ao definirem suas estratégias. É importante que tais empresas avaliem as reais possibilidades de implementarem negócios rentáveis, sim, mas que mantenham um compromisso com a sustentabilidade, com a não degradação ambiental, com o respeito às comunidades locais e, preferencialmente, com ações voltadas à redução das emissões de GEE.

4. Método de Pesquisa

Este trabalho constitui um estudo exploratório sobre ações empresariais estratégicas na região da Amazônia brasileira, com destaque para as ações voltadas à sustentabilidade e à redução das emissões de GEE.

Gil (1991, p. 46) afirma que, “um trabalho é de natureza exploratória quando envolver levantamento bibliográfico, entrevista com pessoas que tiveram (ou têm) experiências práticas com o problema pesquisado e análise de exemplos que estimulem a compreensão. Possui ainda a finalidade básica de desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias para a formulação de abordagens posteriores.”

As pesquisas exploratórias, segundo Gil (1991) visam proporcionar uma visão geral de um determinado fato.

Foi utilizado, portanto, o método pesquisa de estudo de caso com a finalidade de levantar e relatar a experiência do Grupo Orsa nessa região.
Segundo definição de Yin, “um estudo de caso é uma investigação empírica que: investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos.” (YIN, 2005).

O autor afirma que o estudo de caso é uma técnica de pesquisa única para compreender fenômenos sociais complexos
Usou-se de instrumentos de coleta de fontes de dados primárias e secundárias: roteiro de perguntas e entrevista presencial, além de relatórios de sustentabilidade (2007), site, artigos científicos etc.

5. Estudo de Caso

5.1. O Grupo Orsa

Para este estudo de caso escolheu-se o Grupo Orsa, pois a corporação inclui no próprio modo de fazer negócios o uso sustentável da floresta e o respeito às comunidades nativas.
As informações e dados institucionais sobre o Grupo Orsa apresentados nesta seção foram obtidos a partir do sítio oficial da empresa na internet (www.grupoorsa.com.br) e com base no Relatório de Sustentabilidade do Grupo, para o ano de 2007.

O Grupo Orsa é uma das principais organizações brasileiras do setor de madeira, celulose, papel e embalagens. Com 100% de capital nacional, o Grupo mantém sua força com base na integração de suas quatro empresas – Orsa, Celulose, Papel e Embalagens, Fundação Orsa, Jari Celulose e Orsa Florestal -, que atuam em sinergia e sob uma mesma filosofia.
Atualmente, o Grupo é um dos maiores produtores de chapas e caixas de papelão ondulado e papel para embalagem. É uma empresa 100% brasileira e ocupa um lugar de liderança no mercado nacional. Os produtos do Grupo são os únicos que têm 100% de certificação pelo FSC ((Forest Stewardship Council)).

História

  • 1981: O embrião do Grupo Orsa surgiu com uma pequena cartonagem, na cidade de São Paulo.
  • 1986: Foi iniciada a construção da primeira unidade industrial para fabricação de chapas e papelão ondulado.
  • 1990: A empresa comprou a unidade produtora de papel Kraftliner em Nova Campina, SP.
  • 1994: Início das atividades da Fundação Orsa.
  • 2001: A empresa assume o controle acionário da companhia do Jari Celulose S.A., fabricante de celulose em Monte Dourado, na fronteira dos Estados do Pará e Amapá. Neste mesmo ano, o Grupo inaugura a unidade fabril em Rio Verde, Goiás.
  • 2003: Fundação da Orsa Florestal, em relação com a ação da empresa na região do Jari.
  • 2009: O Grupo Orsa incorpora a empresa Ouro Verde Amazônia.

Atividades e produtos de cada empresa do Grupo

Orsa Celulose, Papel e Embalagens (OCPE)

A empresa tem uma unidade de produção na região de Manaus. Ela usa o papel das outras usinas do Grupo Orsa para fazer caixas de cartão e papelão, respeitando as particularidades da Amazônia.

Jari Celulose

A Jari Celulose fica na localidade de Munguba, em Almerim, no estado do Pará. A empresa se organiza em meio a 1,3 milhões de hectares de floresta amazônica e produz celulose de eucalipto. A empresa tem uma orientação internacional, com uma produção de 3% do volume mundial de celulose de eucalipto e com exportações feitas via duas unidades de marketing, em São Paulo e Londres. A política sustentável da Jari Celulose consiste em renovar os recursos de eucalipto com um viveiro que produz 16 milhões de novas plantas a cada ano. Eles preservam também os recursos naturais da floresta, com uma gestão racional das árvores, com uma compreensão especial do papel específico das espécies de eucaliptos no ecossistema da Amazônia. No Projeto Jari, a empresa realiza a compra antecipada de pequenos e médios produtores, para o cultivo da floresta, tendo como garantia a entrega do produto depois de alguns anos, sem alienar a propriedade dos produtores e com pagamentos desde o início do contrato. O Grupo fornece as mudas e dá assistência técnica para o plantio e manejo.

Fundação Orsa

A Fundação tem cinco eixos principais de ação:

  • Educação: Os projetos visam ao fortalecimento de políticas públicas destinadas às crianças e adolescentes até 18 anos. A Fundação organiza atividades educativas no diversos campos e gera parcerias com prefeituras, iniciativas privadas, ONGs e com as próprias comunidades. O objetivo é o desenvolvimento das crianças, com atenção aos aspectos físicos, psicológicos e sociais.
  • Saúde: As ações visam principalmente à nutrição, humanização do atendimento, oncologia infantil, saúde bucal e à dependência química, com vários programas.
  • Empregabilidade: A Fundação organiza a formação e qualificação profissional de adolescentes, jovens e famílias com o objetivo de fomentar a geração de trabalho e renda por meio da capacitação para o mercado de trabalho.
  • Empreendedorismo: A Fundação incentiva a atitude empreendedora em comunidades atendidas por seus projetos. Ela leva em consideração as potencialidades pessoais e regionais, a identidade cultural, as vocações produtivas locais e as tendências do mercado.
  • Promoção de direitos: A Fundação se compromete a fazer conhecer às comunidades seus direitos e deveres na sociedade. Em 2007, foi estrategicamente incorporada ao grupo para ser uma quarta companhia. Seu desafio é de se tornar sustentável e de criar interações entre o Grupo Orsa e a sociedade.

Orsa Florestal

Fundada em 2003, a empresa Orsa Florestal produz 13.040 m3 de madeira bruta, desenvolvendo o manejo sustentável de 545 mil hectares de florestas no Pará. A Orsa Florestal se preocupa em preservar 92 mil hectares com 26 tipos de árvores. A unidade está instalada no complexo industrial de Munguba e exporta seus produtos para a Ásia, América do norte e Europa.Ouro VerdeA Ouro Verde Agroflorestal foi a compra mais recente do Grupo Orsa. Sua principal atividade é a extração de castanha do Brasil, no Mato Grosso principalmente. O Grupo incorporou esta nova atividade porque ela apresenta complementaridade com a exploração da madeira e permite desenvolver a cooperação com as comunidades no Jari.

5. 2. Organização do Grupo

Governança Corporativa

O conselho de administração, que tem por objetivo garantir a transparência das decisões do Grupo, é formado por dois acionistas e dois conselheiros externos independentes, que procuram verificar se a estratégia empresarial está de acordo com a missão e os valores expressos pela empresa.

Recursos humanos

Hoje, o Grupo Orsa é responsável por 9.000 empregos diretos e indiretos. O grupo desenvolve programas voltados ao crescimento pessoal e profissional dos seus funcionários, buscando melhorar as condições de trabalho nos processos produtivos e atender às necessidades dos familiares dos funcionários.

Dados econômicos e resultados financeiros

Em 2007, a empresa apresentou um resultado bruto de R$ 1.245 bilhões.

Prêmios de responsabilidade social

Durante os anos passados, o Grupo Orsa recebeu muitos prêmios em reconhecimento ao seu comportamento sustentável, tanto pelas ações relacionadas ao meio ambiente quanto pelas ações endereçadas às pessoas que trabalham na empresa.

5.3. Análise e discussões

Nesta seção, são apresentados os resultados do roteiro de questões aplicado aos representantes do Grupo, em entrevista presencial realizada em 10/06/2009, na sede do Grupo Orsa, em Alphaville. A orientação geral dada aos entrevistados foi que, ao responderem às questões, tivessem em mente as iniciativas da corporação que mais estivessem relacionadas à sustentabilidade e à redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). A seguir, encontram-se as respostas dadas sobre cada um dos temas presentes no questionário.

Primeiras ações na Amazônia

Ao serem perguntados sobre a decisão de irem para a Amazônia e o histórico da implantação das atividades, os entrevistados destacaram que o Grupo Orsa é ousado. Explicaram que ele cresceu basicamente adquirindo projetos que não davam certo, comprando projetos praticamente quebrados e transformando-os em algo economicamente viável.
No caso do projeto Jari, que havia sido o grande sonho do senhor Ludwig, depois de passados mais de vinte anos de prejuízo, o senhor Sérgio Amoroso (acionista do Grupo), teve a oportunidade de comprá-lo, incorporando-o ao Grupo em 2000.

Quando o senhor Sérgio foi para a Amazônia, ele não olhou somente para a oportunidade de ter uma fábrica de celulose. Ele visualizou um conjunto: a preservação do meio ambiente, o movimento de projetos sustentáveis, o manejo sustentável de floresta nativa, o trabalho com comunidades, a oportunidade para a atuação da Fundação Orsa na região… Ele foi para lá com o intuito de construir um projeto que mudasse a região. Seu sonho era transformar aquilo em um modelo de sustentabilidade para a Amazônia, mostrando que a única maneira de se manter aquela floresta em pé é tendo projetos sustentáveis lá dentro, que respeitem o meio ambiente, que preservem a biodiversidade. Ele tinha a consciência de que a floresta contém uma enorme riqueza e que deve ser explorada de forma responsável, para que a atividade seja sustentável.

A decisão de ir para a Amazônia, sem dúvida, não foi uma decisão tradicional de negócios que um grupo empresarial tradicional tomaria. Além das perspectivas de fazer bons negócios, houve um ingrediente de empreendedorismo, de vanguarda, de sonho, de projeto. Tudo isto sem perder de vista a importância da rentabilidade. Ou seja, a decisão de empreender na Amazônia tem este ingrediente abstrato, que está muito intimamente ligado à decisão do senhor Sérgio (Amoroso).

O projeto Jari foi adquirido inicialmente como uma indústria de celulose, mas hoje ele tem uma diversificação das atividades, sendo que uma atividade muito importante é o Manejo Florestal Sustentável Certificado, que antes não existia. Anteriormente, a área de propriedade do Grupo já tinha este mesmo tamanho (1,3 milhões de hectares), mas havia uma área grande que, lá na década de 70, havia sido desmatada para se plantar algumas espécies para produção de celulose. Agora o Grupo inicia também a produção de produtos não madeireiros.
Os representantes da empresa frisaram que, mesmo em outro contexto, que era o da promoção do desmatamento para a ocupação do território, por questões de segurança nacional e de integração regional, todas as atividades que foram feitas no Jari, até hoje, sempre foram legais. Este é um aspecto importante. Considerando-se que o Grupo tem uma propriedade de 1,3 milhões de hectares e apenas cento e poucos mil hectares estão “abertos” (desmatados), ainda se tem uma proporção muito abaixo do que é permitido pela lei, que são 20%. Então mesmo com a mudança da lei, que se tornou bem mais severa, toda operação da Jari continuou absolutamente legal.

O Grupo tem o Certificado FSC, não só no projeto de manejo, mas também nas plantações de eucalipto. E para que uma empresa seja certificada, a condição número um é ter passivo ambiental zero. Segundo afirmaram, a Jari hoje é uma localidade com passivo ambiental zero, sendo a única empresa do Brasil, talvez a única no mundo, com 100% de certificação para todas as atividades.

Sobre as atividades do Grupo

O carro chefe do Grupo ainda é a produção de celulose, com plantação de eucaliptos. Mesmo na Amazônia. Dentro de uma proporção de 1.300.000 hectares, há cerca de 120.000 hectares destinados ao plantio de eucalipto. Isto colocado em uma proporção representa menos de 10% da área total. Os outros 90% de florestas são preservados. Sobre estes hectares restantes, o Grupo iniciou o Projeto de Manejo Sustentável da floresta nativa.

Investimentos nos projetos

No caso da Jari, desde que o Grupo assumiu, já foram investidos mais de 250 milhões de Dólares na atividade de celulose de eucalipto, com objetivo de torná-la uma atividade sustentável. Atualmente, o Grupo continua investindo em melhoramento genético do eucalipto, devido à necessidade de adaptação da espécie ao clima e às condições do solo, etc.

Quanto ao projeto de Manejo Sustentável da Orsa Florestal, para alcançar a dimensão em a ele chegou, foram investidos de 40 a 50 milhões de Reais. Hoje a Orsa Florestal não requer mais investimentos, ela já é um projeto que se sustenta e já está dando resultados, remunerando os investimentos feitos anteriormente.
No caso da Ouro Verde, a projeção de investimento do grupo, para o próximo ano, é de cerca de dois milhões de dólares, só em infraestrutura.

Complementaridade das atividades do Grupo Orsa

Afirma-se que quando o grupo comprou a Jari Celulose, se preocupou com a pobreza, a falta de oportunidades, a educação deficiente e os aspectos sanitários precários da região. Então, começaram as atividades da Fundação Orsa, para desenvolver a educação das crianças e democratizar o acesso aos serviços de saúde. Depois da instalação de programas de formação profissional para os jovens, foi criada a Orsa Florestal, um projeto de manejo sustentável em matas nativas tropicais, com a meta de dar trabalho aos habitantes do Jari.

Sobre o Manejo Florestal

Na visita ao Grupo Orsa, os representantes da companhia explicaram como funciona o manejo florestal da madeira comercial, vendida para a fabricação de móveis e outros itens. Eles esclareceram que, em uma área de um hectare de floresta nativa, extraem no máximo 30 m³, em um ciclo de 30 anos. Em média, o volume comercial que já está no ponto de corte, em uma área de um hectare, é de 120m³ de madeira. Retiram apenas 30 m³ e só retornam a uma área já explorada após 30 anos.
Em uma área que tenha 500 mil árvores em ponto de corte, há árvores pequenas, médias e árvores gigantescas. Mas, acima de 50 cm de DAP (diâmetro da altura do peito) há aproximadamente 120 m³ de madeira. Os 30 m³ que são extraídos significam, em média, de três a quatro árvores, em um total de 200 a 300 árvores prontas a serem retiradas.
Os entrevistados argumentaram que as árvores têm um ciclo de vida e que o manejo consiste em antecipar um pouco este ciclo natural, retirando a madeira, antes que a árvore caia e morra. A partir do momento em que se antecipa um pouco este ciclo, se permite que as árvores menores, que estavam escondidas na sombra e não conseguiam crescer, possam ter seu lugar ao sol.
Com este critério dos 30 m3, eles demoram entre três e quatro ciclos de 30 anos para retirar aquilo que dizem já estar pronto para ser retirado hoje. Então, daqui a 120 anos haverá muitas árvores que, hoje não têm 50 DAP, mas que têm 30 DAP e que não haviam entrado neste cálculo. Considerando três ou quatro ciclos de 30 anos, em 120 anos, os entrevistados acreditam que terão um volume até maior do que 120m3.

O Grupo já tem experimentos na Jari que estão com 27 ou 28 anos, nos quais foram feitos uma série de manejos, retirando 30; 40; 50 e 60 m³. Daqui a dois anos, quando fecharem o ciclo de 30 anos, pretendem lançar um livro, falando de toda a técnica de manejo e demonstrando as conclusões, com base na observação empírica. Estes experimentos têm o acompanhamento de pesquisadores da EMBRAPA.

Os entrevistados salientaram que esta estratégia toda da certificação e do manejo florestal embute um critério grande de precaução, porque certamente ninguém tem a informação exata de como será esta floresta daqui a 100 anos. A técnica de manejo é uma coisa muito recente. O projeto Jari é, provavelmente, a empresa que tem os dados mais antigos do Brasil e talvez do mundo sobre florestas tropicais. E nós estamos falando de um experimento de 30 anos. O modelo mais antigo de manejo está completando apenas 30 anos. Imaginando-se um hectare como sendo um quarteirão de cidade, os 30 m³ representariam somente três a quatro árvores. Em alguns casos, uma única árvore já chegaria aos 30 m³. Retira-se uma arvore e fecha-se aquele quarteirão por 30 anos. É uma medida de extrema precaução.

E, ainda, dentro dessas medidas, existem restrições para cada tipo de árvore que se pode cortar. Quantos indivíduos dessa espécie existem nesse hectare? Existe, ao menos, mais um indivíduo que deixe sementes? Esta pode ser a espécie mais valiosa do mundo, mas se for o único indivíduo da espécie, ela não será retirada, para que possa viver e deixar sementes.
Cada uma das árvores inventariadas recebe uma plaquinha de identificação, com GPS. O Grupo tem o mapa com cada árvore identificada no Jari. Assim é possível saber exatamente onde cada árvore está e ter informações específicas como: qual a sua espécie, idade, altura, diâmetro, e qual o tipo de madeira. O funcionário que vai recolher a árvore, já vai orientado e já sabe até para qual lado ela deve cair, para não agredir as outras. É um processo extremamente sofisticado.

Do ponto de vista dos entrevistados, a estratégia do manejo representa a melhor alternativa econômica para a floresta em pé.

Como conciliar sustentabilidade e lucros?

Sobre este tema, os entrevistados afirmaram que é preciso reconhecer que todo este nível de precaução engessa o investidor. Do ponto de vista estritamente econômico, seria melhor se pudessem extrair mais metros cúbicos por hectare. Afinal eles criaram toda uma estrutura, fizeram o inventário, colocaram tratores, abriram estradas… Para irem até lá e pegarem uma única árvore… É importante compreender que aquela área de floresta tem um custo de oportunidade potencial. Um custo de oportunidade potencial é fazer manejo florestal, outro é derrubar tudo e criar gado, outro é plantar soja. Ao avaliar suas oportunidades, o empresário trabalha com todas as possibilidades.Argumentaram ainda que, por lei, o Grupo Orsa teria direito a desmatar 20% de suas florestas. Mas não o faz. E quando se colocam os investimentos na ponta do lápis e não se faz uma projeção de muito longo prazo (mais de 30 anos), é mais vantajoso plantar soja ou criar gado, tendo em vista um nível tão alto de restrições.

Neste ponto, os representantes da empresa colocaram a seguinte discussão: “Qual é a valorização que a sociedade dá para produtos produzidos sob essas condições, preservando um patrimônio que é de todos? Qual é a agregação de valor, o prêmio que o Grupo Orsa recebe por só trabalhar com madeira certificada? A pergunta é: será que a sociedade está valorizando um trabalho fenomenal que uma empresa privada está fazendo? Lá na ponta, será que o consumidor está pagando mais por uma madeira com selo FSC, que se enquadra em todos esses condicionantes?”

Produtos não madeireiros

Atualmente, há uma diversificação dos negócios do Grupo. Existe uma empresa dentro da região do Jari que trabalha com celulose, extraindo celulose de eucaliptos; há outra empresa do grupo que trabalha com produtos florestais madeireiros, produzindo madeira serrada certificada, principalmente para o mercado de exportação. E, agora, o Grupo começa a fomentar outra atividade na Amazônia, por intermédio da Ouro Verde, para trabalhar com produtos florestais não madeireiros. Neste empreendimento, serão produzidos itens derivados da castanha. Os produtos não madeireiros, como a castanha, têm benefícios óbvios. São extraídos da própria árvore e têm impacto baixíssimo: o fruto cai no chão e pode ser colhido. E ele volta a nascer todo ano. Outro dos objetivos do Grupo é começar a atuar em outras cadeias de produtos florestais não madeireiros, de maneira a possibilitar um aumento e uma regularidade de renda para as comunidades que vivem na floresta. Além da castanha o Grupo está trabalhando com estudos preliminares, para poder atuar, em 2010, nas cadeias produtivas do açaí e do cacau, que são produtos nativos da região. Com um portfólio maior de produtos não madeireiros, as comunidades têm uma renda maior, distribuída ao longo do ano, já que esses produtos têm safra. No primeiro trimestre se vende a castanha, no segundo se vende o açaí e assim por diante.

Sustentabilidade ambiental e resultados financeiros

Os representantes do Grupo Orsa que concederam a entrevista demonstram bastante familiaridade com os conceitos de “sustentabilidade ambiental” e “triple bottom line”. Eles enfatizaram que o Grupo, sem dúvida, tem esta visão integrada. Destacaram que quem vai para a Amazônia não pode ir com uma visão só econômica. É uma filosofia de trabalho diferente, não é convencional. No modelo tradicional de gestão, baseado na lógica estrita de mercado, a empresa não iria.

É preciso entender que, na prática, há um descompasso em termos de rentabilidade entre os produtos madeireiros e os não madeireiros. Fatalmente os produtos florestais não madeireiros terão um retorno econômico menor. É importante esclarecer que são negócios menores, com limitações de escala, dependentes da sazonalidade, etc. O Brasil nunca vai ser um grande produtor de commodities de extrativismo da Amazônia. São atividades que, em termos de retorno, nunca chegarão perto da indústria da soja, do açúcar, do etanol, da madeira. Por outro lado, são negócios que têm importância estratégica do ponto de vista social, porque são geradores de renda para as comunidades nativas e que extraem seu sustento da floresta. No caso do Grupo Orsa, fica claro que esta escolha tem a ver com valores, princípios, idealismo…

Desafios

Perguntados sobre os maiores desafios enfrentados pela empresa na realização de ações voltadas para a sustentabilidade ambiental, os entrevistados elencaram vários desafios que já enfrentaram e continuam a enfrentar. O primeiro grande desafio foi o fato de serem pioneiros e estarem lidando com algo novo para o Grupo e novo para a indústria. Mencionaram também algumas dificuldades bem práticas, como a logística que é desfavorável para se operar na Amazônia. A questão da insegurança jurídica é outro problema quando se tem uma área grande na Amazônia, que requer todo o cuidado devido ao processo de certificação. O risco de invasão é contínuo e o Estado é ausente. Não há segurança de que o Estado vai garantir seu patrimônio privado. A mentalidade deveria ser de total respeito a um projeto como este, que se preocupa com a preservação… Mas, na prática, o Grupo lida o tempo inteiro com estas ameaças. Outro grave problema é que os órgãos públicos não trabalham com a devida seriedade. Muitas vezes, numa região dessas, o grupo privado faz a função do Estado, em todas as esferas; na educação, na saúde, na infraestrutura. Por isto o aparato de caráter social que tem o Grupo Orsa no Jari é muito grande.

Outro desafio, este mais ligado ao mercado, se refere à conquista da preferência do consumidor. Por exemplo, em um momento de crise econômica, como esta atual, até onde vai a disposição do cliente para pagar um preço mais alto por uma madeira certificada?

Lições, Aprendizados

Um dos aprendizados se refere ao desafio da substituição das funções do Estado. É um problema inevitável. A empresa que quiser estar lá, vai precisar atender as funções do Estado. Não adianta achar que em curto prazo o Estado vai prover esses serviços de forma minimamente decente para as pessoas. Para se ter um negócio, é necessário ter pessoas qualificadas. Como é possível atrair recursos humanos para o local se não há condições mínimas, em termos de saúde, educação, qualidade de vida?

Mas se o Estado não cumpre seu papel, a empresa se vê obrigada a cumpri-lo. O projeto já tem uma cidade praticamente privada: clínicas médicas privadas, apoio a escolas; Escola da madeira, formação profissional. A empresa inclusive oferece, como um benefício, o pagamento da escola particular para os filhos dos funcionários, já que não há escolas públicas. Só para se ter uma ideia, o Jari hoje é um projeto que tem aeroporto próprio, linhas ferroviárias próprias, novas estradas e ramais.

Iniciativas específicas da empresa voltadas para a redução da emissão GEE

O grupo contratou uma consultoria que fez um levantamento pormenorizado de todas as possibilidades de geração de créditos de carbono, tanto por MDL, quanto no mercado voluntário. Agora, estão iniciando uma conversa com outra organização, para fazerem uma avaliação de potencial de créditos de carbono por desmatamento evitado, por REED.

Não há um projeto operando hoje, mas o Grupo está avaliando possibilidades e pesquisando o tema, buscando gente especializada e contratando consultorias. Inclusive, já existem resultados preliminares de estudos feitos. Já se tem uma estimativa quantificada de quanto seria. O que é preciso agora é colocar em um projeto de crédito de carbono, seja ele de MDL, créditos de carbono, mercado voluntário ou desmatamento evitado. É um projeto para um futuro próximo utilizar este levantamento que já existe, para saber quanto o Grupo já está economizando. Há projetos grandes, em termos de MDL, com mais de 200 mil toneladas de carbono. Caldeiras com 500 mil toneladas de CO2.

Os entrevistados consideram que a atividade do Grupo é economizadora de carbono porque trabalham com a manutenção das árvores, evitando as emissões de carbono. É diferente do caso da soja e da pecuária, que requerem a extração da massa florestal, gerando grandes emissões de Gases de Efeito Estufa. Por isso, em seu ponto de vista, é extremamente necessário que haja uma rentabilidade adicional para quem pratica o manejo florestal sustentável, um incentivo econômico, relacionado à questão do carbono. Assim, o negócio se torna mais rentável e pode vir a conseguir equiparar margens com outras atividades potenciais (gado e soja por ex.).

Destacaram ainda que, em uma floresta com uma área nativa fixa em pé, as árvores morrem e vão apodrecendo, gerando o gás metano, que é um gás de efeito estufa 23 vezes mais prejudicial ao aquecimento do que o CO2. Ao evitar que as árvores morram e apodreçam, evita-se uma grande emissão de CO2 porque essa árvore que iria morrer se tornou uma mesa, aumentando seu ciclo de vida em 30, 50, 100 anos.

Outras iniciativas poupadoras de carbono

O manejo florestal gera, além da madeira, resíduos orgânicos que podem ser queimados na caldeira, para a geração de energia elétrica, a partir de biomassa. Ao se utilizar esta biomassa, evita-se ou diminui-se a queima de óleo combustível, carvão mineral e coque de petróleo, todos combustíveis fósseis, muito poluentes e com impacto direto para a emissão de gases de efeito estufa.

Há aproximadamente 15 dias, o Grupo concluiu a construção de um galpão enorme feito só pra proteger a biomassa da chuva, evitando que ela fique molhada. Só com esta medida, espera-se um aumento de eficiência lucrativa da biomassa. O simples fato de se manter a biomassa seca evita que a caldeira tenha que queimar água, antes de queimar a madeira, evitando a perda de eficiência na geração. Uma simples medida de redução da umidade da biomassa gera uma maior eficiência. Em consequência, se economiza em gás de petróleo. Este é um exemplo típico de que uma medida relativamente simples, embora com um investimento elevado, pode gerar créditos de carbono em um futuro próximo.

Visão da empresa sobre a concessão a grupos privados de áreas de preservação

Os entrevistaram afirmaram ser favoráveis a esta opção, desde que seja aplicado um manejo sustentável da forma como eles o entendem. Com certificação. Alertaram que, se esta concessão ocorrer no modelo tradicional, será uma tragédia, será devastação com o carimbo do Estado, com aval público. Caso estas concessões sejam feitas sem certificação, que parece ser o que vai acontecer, é o inicio do fim. No entanto, se for adotado o modelo que o Grupo já pratica, eles estão seguros de que este é o melhor caminho para conseguirmos manter a floresta em pé.

6. Conclusões

Um dos intuitos deste trabalho foi verificar a correspondência entre a comunicação do Grupo sobre suas ações sustentáveis e suas práticas, procurando entender o grau de compromisso da empresa (em termos morais, de emprego, em termos econômicos, com relação às comunidades locais). Na entrevista presencial, na sede do Grupo Orsa, foi possível verificar a existência de coerência entre o discurso oficial do Grupo, divulgado na imprensa, e as visões de mundo, impressões e ideais expressados pelos entrevistados, durante a conversa.Oficialmente a empresa expressa como visão o desejo de “estabelecer uma sociedade sustentável, que promova o bem-estar de todos, sem comprometer as gerações futuras, buscando o equilíbrio no relacionamento entre pessoas, ambiente e negócios, sem desconsiderar as características locais e as especificidades de cada povo”. Isto inclui multiplicar parcerias com os diversos agentes da sociedade. Como filosofia, o Grupo Orsa afirma que deseja praticar suas atividades de negócios com a consciência de seu papel na transformação da sociedade. O desafio que o Grupo se coloca é desenvolver “ações economicamente viáveis, socialmente justas e ambientalmente corretas”. Faz parte da filosofia do Grupo a preocupação com a promoção do desenvolvimento econômico, mantendo-se o respeito às limitações ecológicas do planeta e a visão global sobre as consequências de sua atividade florestal. O Grupo destina 1% do seu faturamento bruto para projetos socioambientais.O que é muito interessante sobre o Grupo Orsa é o próprio modo original de se fazer negócios. Eles têm consciência de que suas atividades, pela própria natureza, têm grande impacto ambiental e social e, a partir desta consciência, desenvolvem várias ações no sentido de mitigar as externalidades negativas e realizar ações propositivas que agreguem valor às suas atividades e aos stakeholders. Isto é verdade no caso no manejo florestal certificado, no caso da restrição da área de exploração da celulose (mantendo os níveis de desmatamento inferiores aos permitidos por lei) e nas diversas ações sociais empreendidas pelo Grupo (por meio da Fundação Orsa e outras unidades) e que beneficiam funcionários, comunidades das áreas impactadas por sua produção, não perdendo de vista os resultados econômicos.

Limitação do trabalho e sugestão para futuras pesquisas

É importante reconhecer que uma das limitações deste estudo foi a impossibilidade de conhecer as ações do Grupo Orsa in loco, o que proporcionaria averiguar: a dimensão dos empreendimentos, especificidades de sua atuação, alcance das iniciativas, público beneficiado e impactos.
Sugere-se para futuras pesquisas aprofundar o escopo desta pesquisa, realizando o estudo de campo in loco.

7. Referências bibliográficas

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A iniciativa privada na Amazônia. Estudo de caso: Beraca

Resumo

O objetivo deste artigo é descrever e analisar as atividades sustentáveis que a Beraca desenvolve na região amazônica, onde devem se concentrar os esforços brasileiros de reduções das emissões de gases de efeito estufa, visto que cerca de 75% das emissões do país estão relacionadas ao desmatamento da Amazônia e também que essa floresta produz serviços ambientais que beneficiam o planeta todo. A Beraca, por meio de sua linha de “Saúde e Cuidados Pessoais”, contribui para a construção de um novo modelo econômico na região baseado na valorização da “floresta em pé”, produzindo na unidade de Ananindeua (Pará) ingredientes naturais e orgânicos originários de matérias-primas da floresta para a indústria de cosméticos, farmacêutica e de fragrâncias, como alternativa a ingredientes sintéticos. Seus fornecedores são as comunidades extrativistas locais e suas atividades seguem os padrões de certificações internacionais, como o FSC e Ecocert.

Abstract

This article aims to describe and analyze sustainable activities developed by Beraca in the Amazon region, where Brazil’s efforts to mitigate climate change should be concentrated because 75% of its greenhouse gases emissions are related to deforestation, besides the environmental services produced by the Amazon rainforest that benefit the whole planet. Beraca and its line “Health and Personal Care” contribute to the construction of a new economic model in the region based on the “standing forest”, producing in Ananindeua (Pará) natural and organic ingredients from raw materials from the forest for the cosmetic industry, as an alternative to synthetic ingredients. Its suppliers are local communities and its activities follow international certifications patterns, such as FSC and Ecocert.

1. Introdução e justificativa

O Brasil, atualmente o quarto maior emissor de gases de efeito estufa (GEE) do planeta (5,84% do total mundial((Em 2012, encerra-se o primeiro período de compromisso do Protocolo de Kyoto, iniciado em 2008.)) ), não possui nenhum compromisso de limitação quantitativa ou metas de redução de emissões de gases de efeito estufa determinadas pela Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC), mas é certo que no período pós-2012 ((Fonte: Climate Analysis Indicators Tool (CAIT) Version 5.0. (Washington, DC: World Resources Institute, 2008))) () estará comprometido com ações nacionais de mitigação mensuráveis, verificáveis e reportáveis. Nesse sentido, é importante e estratégica a antecipação do setor empresarial.

As mudanças climáticas e o aquecimento do planeta oferecem riscos e oportunidades para todos, sendo um imperativo ético e de responsabilidade corporativa fazer o necessário para a alteração dos padrões e tecnologias de produção, ao longo de toda a cadeia de fornecedores e de vendas de bens e serviços.

O fato de cerca de 75% das emissões brasileiras corresponderem ao setor de uso do solo, mudança no uso do solo e florestas, principalmente provenientes da região Amazônica, não isenta os outros setores a pensarem e implementarem ações de desenvolvimento sustentável que reduzam suas contribuições às mudanças climáticas, até porque as emissões desses setores estão crescendo.

Responsável diretamente por menos de 20% das emissões de GEE do país – o que, de forma alguma, reduz sua responsabilidade, principalmente porque sua cadeia produtiva está ligada a atividades que contribuem para o desmatamento, o setor industrial brasileiro, em geral, declara-se cada vez mais disposto a adotar medidas voluntárias de mitigação de emissões de gases de efeito estufa, investir em pesquisa e inovação tecnológica focada em campos como eficiência energética, buscar incentivos econômicos dentro do MDL e elaborar inventários de emissões.

Pode-se dizer que o setor privado tem se esforçado para incorporar a sustentabilidade e a mudança do clima na sua estratégia (não só de marketing), porém o processo é lento, marcado pelo descompasso entre discurso e prática e comportamentos contraditórios por parte das empresas, além da expectativa e pressão por incentivos governamentais. Por outro lado, é justamente no setor privado que existe o maior potencial para reagir com rapidez, uma vez que se percebe que a incorporação da mudança de clima na sua estratégia é “bom negócio”.

Assim sendo, o objetivo deste artigo é descrever e analisar as atividades de uma empresa que desenvolva projetos sustentáveis na Amazônia. O foco nessa região se justifica pela grande importância dos serviços ambientais produzidos pela Floresta Amazônica que beneficiam não só o Brasil, mas o planeta todo, tais como a retenção e captação de carbono, a regulação do clima local e global, a conservação de serviços hídricos (produção e qualidade das águas, manutenção de ciclos hídricos), a fertilidade do solo, a preservação de florestas e biodiversidade, a manutenção da integridade da paisagem. Além disso, como mencionado anteriormente, a maior parte das emissões brasileiras de GEE estão relacionadas ao desmatamento da Amazônia, sinalizando que os grandes esforços de mitigação devem priorizar a região. Estudos baseados em cenários indicam que se nada for feito, o país sofrerá impactos como:

  • Conversão de grande parte da floresta amazônica em cerrado, como resultado do aumento da temperatura e menor pluviosidade, combinado com a ação humana, tornando a floresta cada vez mais vulnerável às queimadas e sujeita a longos períodos de estiagem. Esse processo de conversão resultará na emissão de bilhões de toneladas de carbono, contribuindo para o aquecimento global;
  • Queda da vazão da maior parte dos principais rios brasileiros, ocasionando problemas na geração de hidroeletricidade, na navegação, no abastecimento de água, na poluição da água de esgoto e no habitat dos peixes;
  • Aumento drástico das temperaturas na região amazônica central como consequência da redução da absorção de calor pela transpiração e evaporação;
  • Perda da retenção de umidade do solo em vastas áreas das principais regiões de agricultura do Brasil devido à menor pluviosidade e às altas temperaturas, reduzindo o produto das colheitas e restringindo as áreas apropriadas para cultivo;
  • Aumento do alcance e incidência de doenças como a malária e a dengue.

As iniciativas do poder público, como o Fundo Amazônia, criado em agosto de 2008, com o objetivo de financiar ações que contribuam para a prevenção, o monitoramento e o combate ao desmatamento da floresta. Conta com doações de outros países, como a Noruega, devem ser apoiadas e complementadas por ações do setor privado, que contribuam para a promoção de um novo modelo de desenvolvimento na região que não seja indutor do desmatamento e recompense as populações locais pela manutenção dos serviços ambientais.

A escolha da empresa para esse estudo foi feita a partir de empresas ligadas ao Programa de Incubação de Empresas da Universidade Federal do Pará (PIEBT). As empresas associadas que se encaixavam no perfil da pesquisa foi abordada, entre elas, a Beraca, que se mostrou disposta a colaborar com o estudo. Desta maneira, este artigo foi elaborado com base em entrevista realizada com a empresa por meio da sua área de responsabilidade corporativa e também leva em conta fontes secundárias. Certamente, uma visita técnica à unidade da empresa em Ananindeua, na região metropolitana de Belém (Pará), bem como o contato com as comunidades extrativistas fornecedoras de matéria-prima para a Beraca enriqueceriam o trabalho. No entanto, a distância, a escassez de tempo e recursos impediram a pesquisa in loco.

2. A empresa

Perfil

A Beraca é uma empresa familiar brasileira fundada em 1956, em São Paulo (SP) que atua nos mercados de tratamento de água e efluentes; cosméticos; alimentos; veterinário, desenvolvendo tecnologias, soluções e ingredientes de alta performance. Inicialmente sob outro nome (Sabará Indústria e Comércio Ltda.), suas atividades concentravam-se somente na distribuição de cloro. Em 2007, a área de “produtos e soluções para o tratamento de água” foi responsável pela maior fatia do faturamento da empresa (72% de R$ 83, 419 milhões) e ocupava 85 (40%) dos 213 funcionários da empresa ((Dados de dezembro de 2007 contidos no Relatório de Responsabilidade Social 2007-2008.))·. Ao longo dos anos, a empresa expandiu-se pelo território nacional e diversificou seus negócios, passando a exportar seus produtos para mais de 40 países. Atualmente, dedica-se ao desenvolvimento de tecnologias, soluções e produtos de alto desempenho para: “Tratamento de Água”; “Saúde e Cuidados Pessoais”; “Saúde e Nutrição Animal” e “Alimentos”. Suas unidades estão localizadas em São Paulo (SP); Santa Bárbara d’Oeste (SP); Anápolis (GO); Itapissuma (PE); Pacatuba (CE); Ananindeua (PA).

Beraca e o Desenvolvimento Sustentável

Em 2001, a Beraca estrategicamente assumiu uma nova proposta de gestão vinculada à sustentabilidade, ou seja, todas suas decisões passaram a considerar aspectos econômicos, sociais e ambientais. Desde então, a missão da empresa, conforme escrito em seu site é: “Ser uma empresa diferenciada que promove o desenvolvimento de seus colaboradores criando valor para seus clientes, parceiros e acionistas por meio do desenvolvimento sustentável” ((http://www.beraca.com/missao.php)) Seus valores e visão também estão alinhados ao tripé da sustentabilidade.

Deste modo, a empresa passou a priorizar questões como a inovação em produtos e serviços sustentáveis; governança corporativa; gestão e desenvolvimento de pessoas; valorização dos recursos naturais; gestão de riscos socioambientais; desenvolvimento local e regional.

Além disso, obteve a certificação do FSC (Conselho de Manejo Sustentável), em 2004, e a Ecocert, em 2006, garantindo que os produtos que ganham seu selo não receberam contaminação química, nem são provenientes de organismos transgênicos. No mesmo ano, associou-se ao Instituto Éticos de Responsabilidade Social e, no ano seguinte, tornou-se signatária do Pacto Global da ONU, apoiando a declaração “Caring for climate”, assinada no âmbito desse acordo por líderes empresariais, comprometendo-se com a adoção de medidas de redução de emissão de gases de efeito estufa.

As políticas de desenvolvimento sustentável adotadas pela Beraca não serão expostas de maneira exaustiva nesse espaço, visto que esta não é a proposta do artigo. De qualquer forma, elas estão detalhadas no Relatório de Sustentabilidade 2007-2008 da empresa.

Beraca, Amazônia e a divisão Health & Personal Care

Em 2001, a Beraca comprou a Brasmazon Indústria de Oleagenosas e Produtos da Amazônia Ltda., uma empresa ligada ao Programa de Incubação de Empresas de Base Tecnológica da Universidade Federal do Pará (UFPA), com o objetivo de deixar de ser apenas distribuidora de produtos para as indústrias de cosméticos, farmacêutica e de fragrâncias. Deste modo, passou a desenvolver tecnologias para a produção de linhas de produtos orgânicos e naturais para esse mercado, tornando-se uma das principais fornecedoras de ingredientes provenientes da Amazônia.

Por meio da divisão “Health & Personal Care”, a empresa foca na inovação na busca por alternativas vegetais naturais com alto potencial de aplicação em cosméticos, fragrâncias e produtos farmacêuticos, que substituam ingredientes sintéticos. Na unidade de Ananindeua, região metropolitana de Belém, no Pará, localiza-se a área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e a produção dos ingredientes a partir de matérias-primas da região amazônica. Essa área respondeu por 18% do faturamento da empresa em 2007 (R$15 milhões) e ocupa 46 funcionários da empresa (22%), sendo que 12 dedicam-se exclusivamente à P&D.

Uma das linhas dessa divisão é a Rain Forest Specialties. Os fornecedores da Beraca são comunidades extrativistas (cerca de duas mil famílias) que coletam sementes, argilas, resinas, nozes, cascas, polpas e frutos no local de origem. A empresa realiza o beneficiamento dos produtos originários do açaí, andiroba, urucum, castanha do Pará, buriti, copaíba, cupuaçu, murumuru etc., tendo como resultado final óleos fixos, óleos essenciais, extratos, resinas, manteigas, argilas e outras especialidades da Floresta Amazônica. Os clientes da indústria cosmética, farmacêutica e de fragrâncias compram os ingredientes para a fabricação de perfumes, sabonetes, cremes, xampus, condicionadores, loções, batons e outros artigos de maquiagem.

Todos os produtos dessa linha são certificados pelo FSC (Conselho de Manejo Sustentável) e pelo selo Ecocert, atestando que todas as atividades de extrativismo são baseadas em critérios de sustentabilidade, conservação e manejo florestal e que o processo de produção não envolve a adição de produtos químicos, nem matérias-primas provenientes de organismos geneticamente modificados.

Um exemplo de aplicação de produtos da marca Rain Forest Specialties é o óleo vegetal de buriti orgânico. A empresa francesa L’Occitane en Provence compra esse ingrediente para fabricar cremes de proteção solar, porque o buriti é rico em vitamina A, tem propriedades antiidade e aumenta a elasticidade da pele. Em parceria com a Beraca, a empresa europeia desenvolveu a primeira linha de produtos fabricada fora da França com ingredientes originários da floresta amazônica. Outro exemplo é o óleo vegetal de castanha do Pará, conhecido por suas propriedades emolientes, rico em vitaminas, ácido oléico (restaura a oleosidade da pele) e selênio (antioxidante), que reduz a perda de água pela pele e prolonga a hidratação. Dentro da mesma linha, a L’Occitane en Provence comercializa um creme autobronzeador de castanha do Pará.

3. Análise

A Beraca por meio da sua linha Health & Personal Care trilha o caminho da sustentabilidade, reconhecido por diversas premiações ((Em 2002 e 2003, a Beraca foi premiada pela FINEP (Financiadora de Estudos e Pesquisas) na categoria “pequena empresa”. Em 2005, ganhou o prêmio von Martius de Sustentabilidade oferecido pela Câmara Brasil- Alemanha.))·, possuindo grande competitividade e credibilidade no mercado de cosméticos, farmacêuticos e de fragrâncias, porque sua gestão prioriza investimentos sociais e o desenvolvimento regional, visando resultados financeiros em longo prazo. Desta forma, investe em parcerias com ONGs, universidades e governo, além de promover o envolvimento e o desenvolvimento das comunidades locais. Ter duas mil famílias como fornecedoras implica em investimentos na sua organização, capacitação, certificação e transferência de tecnologia no processo de coleta das matérias-primas da floresta e rios da Amazônia. Ao estabelecer relações comerciais com as comunidades, a Beraca pratica uma política de compra por preços justos, assegurando um patamar mínimo de renda, que está acima dos preços de mercado.

A produção baseada nos padrões de certificações internacionais como o FSC e Ecocert garantem a rastreabilidade dos produtos, ou seja, a manutenção de suas características (aroma, cor, textura, princípios ativos) desde a coleta até o consumidor final.

A pesquisa e desenvolvimento realizados em parceria com as comunidades e universidades locais, como a UFPA, levam em conta os conhecimentos tradicionais dos povos da floresta, respeitando as leis locais e federais sobre acesso à biodiversidade e repartição de benefícios, além da Convenção de Diversidade Biológica (CDB).

Desta maneira, a Beraca construiu uma marca de alto valor agregado com fabricação de produtos com qualidade internacional baseada nas melhores tecnologias associada à preservação da floresta amazônica.

No entanto, o desempenho dessa atividade envolve desafios e dificuldades a serem superados, com destaque para o relacionamento com os fornecedores, ou seja, as comunidades extrativistas. O estabelecimento de vínculo entre as duas partes se dá após um longo processo de construção de confiança e organização da produção e deve ser permeado por valores como o respeito à cultura e ao ritmo de trabalho local, pois muitas dessas comunidades nunca praticaram o extrativismo com fins comerciais. Um grande obstáculo é a conscientização por parte da população local de que a floresta tem mais valor em pé do que cortada. Um caso que ilustra essa situação é o dos pescadores da ilha de Marajó, que na época de cheia recorrem ao corte ilegal de árvores como fonte alternativa de renda. Ao observar esse comportamento, a Beraca passou a incentivar a coleta da semente de andiroba, conhecida por ser um repelente de insetos natural, para extrair seu óleo.

Ademais, a empresa ainda não possui uma estratégia para lidar com as mudanças climáticas. Inventariar suas emissões de GEE, calcular a redução de emissão de gases de efeito estufa decorrentes de suas atividades sustentáveis e identificar a melhor maneira de gerar créditos de carbono representam desafios para a Beraca.

4. Conclusões

A Beraca é uma empresa que contribui para a construção de um novo modelo econômico na região baseado na “floresta em pé” ao valorizar a exploração de recursos não madeireiros, investindo no desenvolvimento de tecnologias nacionais, respeitando normas de certificações internacionais, além de envolver a população e organizações regionais. Está claro que ela aproveita o potencial da floresta Amazônica e oportunidades decorrentes de sua exploração sustentável aliados ao desenvolvimento tecnológico, sem encarar o respeito ao meio ambiente como obstáculo.

Seu comportamento não poderia ser diferente, visto que seu negócio é vender produtos derivados de matérias-primas da Amazônia para empresas que querem associar sua marca à exótica floresta. Mas, também exigem garantias de que não irão usar na composição de seus xampus, condicionadores, cremes, perfumes, loções, sabonetes, ingredientes que contribuíram para o desmatamento e degradação da região.

Algumas questões que permanecem em aberto sobre a atuação da empresa na Amazônia podem ser foco de futuros estudos, tais como o valor total do investimento nas comunidades, bem como a alteração do nível de renda das populações locais após o estabelecimento da empresa na região. Dados sobre a localização e a área ocupada pelas comunidades possibilitariam cálculo de estimativa de qual seria o benefício da adoção de mecanismo de REDD (redução de emissões de desmatamento e degradação florestal) pela empresa.

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Notas